Um novo relatório da Rede de Observatórios de Segurança revela que o Ceará registrou 6.214 crimes ambientais entre 2019 e 2024. O estudo, intitulado “Além da Floresta: conflitos socioambientais e deserto de informações”, destaca a fragilidade na coleta e monitoramento de dados sobre crimes ambientais e conflitos envolvendo povos tradicionais em diversos estados brasileiros.
Desigualdade na coleta de dados entre os estados
O levantamento implica que a forma como os crimes ambientais são registrados e classificados possui uma padronização desigual. Dentre os nove estados analisados, que incluem Amazonas, Bahia, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo, o Ceará se destacou por não fornecer informações detalhadas sobre os tipos de crimes ambientais ocorridos entre 2023 e 2024.
Segundo Fernanda Naiara, doutoranda em Sociologia na Universidade Federal do Ceará (UFC) e uma das pesquisadoras do estudo, a ausência de dados específicos acende um alerta sobre a eficácia na supervisão de crimes complexos e na formulação de políticas públicas adequadas para combatê-los. “Ceará foi o único que nos mandou um número geral, o que torna impossível entender a natureza dessas violações”, explica.
Impacto da falta de dados
A falta de um registro detalhado prejudica não apenas a análise por parte da sociedade civil, mas também a possibilidade de entender as tendências no aumento ou diminuição dos crimes. O relatório revelou uma diminuição de 23,82% nos crimes ambientais em Ceará entre 2023 e 2024, mas não se sabe quais типs de crimes estão envolvidos nesta queda. “Fica a dúvida: essa diminuição é fruto de ações da segurança pública ou de outras dinâmicas?”, questiona Fernanda.
Cidades mais afetadas e questões sociais
De acordo com o relatório, as cidades com o maior número de registros de crimes ambientais no Ceará foram Fortaleza, Caucaia e Sobral, com 1.693, 208 e 197 casos, respectivamente. Além disso, as violações de direitos das comunidades tradicionais também foram abordadas, com Fortaleza registrando 818 crimes específicos contra indígenas.
Um exemplo significativo de conflito ocorreu em junho, quando membros do povo Tapeba bloquearam a BR-222 em Caucaia para protestar contra dificuldades de acesso causadas pelas obras de duplicação da rodovia. Este e outros casos evidenciam como ações legalizadas, como desmatamento e construção de hidrelétricas, impactam diretamente os direitos dos grupos vulneráveis da região.
Desafios na legislação e políticas públicas
A Lei dos Crimes Ambientais no Brasil, conforme apontado no boletim, tem limitações, uma vez que não contempla adequadamente determinados conflitos agrários e outras violações contra comunidades tradicionais. “É um quebra-cabeça que precisamos montar para entender a complexidade dos crimes ambientais dentro desses conflitos”, afirma a pesquisadora.
Um dos caminhos sugeridos para melhorar esta situação é a inclusão de representantes da sociedade civil nos processos de monitoramento e execução de políticas públicas relacionadas a crimes ambientais. A criação do Comitê Permanente de Combate aos Crimes Ambientais pelo governo do Ceará é uma tentativa recente de fortalecer a fiscalização e o combate a esses crimes, unindo vários órgãos governamentais e grupos de interessen.
Visibilidade e a responsabilidade da mídia
Outro ponto levantado no boletim é a escassa cobertura midiática sobre crimes socioambientais, com apenas 1,2% dos casos sendo reportados pela imprensa. Fernanda Naiara ressalta a importância do jornalismo para aumentar a conscientização sobre as dificuldades enfrentadas por comunidades vulneráveis. A produção de conteúdos de qualidade é fundamental para trazer mais visibilidade a essas questões complexas.
Dados do levantamento indicam que, em todo o Brasil, ocorreram 41,2 mil crimes ambientais nos nove estados analisados, com quase 70% deles relacionados a violações de direitos da fauna e da flora. O Pará, que sediará a COP30 em novembro, registrou a maior quantidade de conflitos em mineração e garimpo ilegal.
O contexto e os dados apresentados neste relatório mostram que a luta contra os crimes ambientais requer um esforço coletivo e estruturado, incorporando políticas públicas efetivas e um monitoramento eficaz. Para realmente proteger a biodiversidade e os povos tradicionais do Brasil, é imprescindível um compromisso sério e contínuo, tanto por parte das autoridades quanto da sociedade civil.
A responsabilidade sobre o meio ambiente e as comunidades vulneráveis deve ser uma prioridade que requer atenção e ação imediatas.