Brasil, 4 de julho de 2025
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“Aquilo me deixou muito brava”: reação de trabalhadora sexual ao filme ‘Anora’ e seus pensamentos

Uma profissional do sexo de Nova York expressa sua opinião crítica sobre a representação da indústria no filme ‘Anora’, destacando ineficiências e estereótipos.

Se você acompanhou as discussões em torno do filme ‘Anora’, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, sabe que a produção recebeu elogios pela abordagem visual e pelo reconhecimento no Oscar. Porém, para muitas trabalhadoras sexuais, a representação na telona não condiz com a realidade vivida por elas.

Reações ambivalentes entre profissionais do sexo

Para Emma*, uma acompanhante e dançarina de 25 anos que atua em um clube de strip em Manhattan há dois anos, o filme trouxe sentimentos conflitantes. Embora ela reconheça algumas cenas como fiéis ao dia a dia na indústria, sentimentos de raiva e frustração emergem ao refletir sobre como a narrativa é construída.

Aspectos autênticos e divergências da experiência

“No início, achei as cenas do clube bastante realistas. Parecia que eu estava no trabalho”, relata Emma, que também observou que alguns momentos mostrados no filme, como a rotina de troca de roupas, condizem com sua rotina cotidiana. Contudo, ela diverge ao apontar que o enredo tenta romantizar relacionamentos e reforçar estereótipos.

Ela critica especialmente a cena em que uma personagem, Ani, é incentivada por colegas a aceitar um relacionamento com um homem mais jovem, algo que ela considera uma decisão de dependência financeira, o que ela refuta veementemente. “Nenhuma trabalhadora, na minha experiencia, decide depender de alguém assim. Aqui, no nosso ambiente, fazemos o máximo para sermos independentes”, afirma.

Percepções sobre a sexualidade e o controle

Emma também critica a forma como Ani é retratada como uma personagem excessivamente sexualizada após o casamento com Vanya, seu parceiro. “Isso parece um desejo de um homem de como ela deveria agir, uma fantasia masculina. Na vida real, quando estamos com alguém que gostamos, mostramos nossa verdadeira personalidade”, explica.

Ela destaca ainda que, na rotina diária, a postura hipersexual na rua ou no trabalho é uma fachada temporária, que deve ser deixada de lado ao sair do ambiente. “Quando a ficha cai, percebemos que essa persona toda não é nossa essência, é uma estratégia de trabalho”, reforça.

Desafios e a desconexão do filme com a realidade

Outro ponto que gera irritação em Emma é a representação de Ani como alguém apaixonada e ingenuamente presa a um homem que claramente não a valorizava de verdade. “Isso não corresponde à nossa experiência. Sabemos que somos substituíveis e que, mesmo com alguém por perto, nossa prioridade é a nossa segurança financeira”, diz.

Ela também lamenta a idealização de um relacionamento onde o homem, supostamente, não ameaça a integridade da mulher. “Não é assim na vida real. No clube, os homens acham que podem tudo e muitas vezes se sentem no direito de invadir nossa privacidade ou de nos tratar como propriedade”, critica.

Estereótipos e a fantasia masculina na narrativa do cinema

Para Emma, o filme reforça a ideia de uma “quebra de tabu” por mostrar dor e tristeza, mas ela acredita que esse foco acaba reforçando a visão do sexo como um objeto de sofrimento, distanciando-se da experiência real de muitas trabalhadoras sexuais. “A dor não vem da sexualidade, mas de questões estruturais como a insegurança financeira ou a falta de respeito”, afirma.

Ela afirma ainda que o filme deveria acabar com a personagem jogando fora o número de Igor, seu parceiro: “Seria um símbolo de que ela não está refém do relacionamento e de que o seu bem-estar deve prevalecer”.

Reflexões finais sobre a representatividade

Emma conclui que muitos filmes, mesmo com uma estética cuidado, acabam sendo uma construção de fantasia, alimentada pelo desejo masculino de ver uma narrativa triste e emocionalizada. “Quem lucra com isso são os interesses do público, e a nossa realidade muitas vezes fica de fora”, afirma.

Por fim, ela reforça a importância de uma representação mais autêntica e menos idealizada da vida das trabalhadoras sexuais, que mostram uma força e inteligência que muitas vezes não aparecem na tela.

*Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada.

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