A disputa entre o Congresso e o Executivo, que culminou na rejeição do aumento do IOF na semana passada, tem agravado o desequilíbrio fiscal do Brasil. Enquanto o governo busca ajustar as contas por meio de aumento de receitas, o Legislativo tem adotado medidas que ampliam despesas ou bloqueiam propostas de corte de gastos.
Medidas do Legislativo elevam gastos em R$ 106,9 bilhões em 2025
Segundo levantamento da Tendências Consultoria, solicitado pelo jornal O Globo, ações recentes do Parlamento resultaram em um impacto financeiro de mais de R$ 100 bilhões neste ano. Entre elas, estão o aumento do número de deputados, o projeto de renegociação da dívida com os estados e a manutenção de benefícios fiscais.
De acordo com o estudo, o custo dessas ações deve atingir R$ 123,25 bilhões em 2026, considerando efeitos futuros, como o projeto de lei do senador Rodrigo Pacheco — que praticamente eliminou os juros no pagamento da dívida dos estados, mantendo apenas a correção pela inflação. A expectativa é que esses custos representem um impacto de aproximadamente R$ 20 bilhões no orçamento.
Ações que dificultam o ajuste fiscal
Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências, ressalta que o Congresso freou propostas de redução de supersalários, além de elevar despesas relacionadas a emendas parlamentares e ao aumento do número de deputados. “O governo, por sua vez, aumentou os gastos com a PEC da Transição em R$ 200 bilhões em 2023”, reforça.
O peso das emendas parlamentares
O economista Bráulio Borges, da FGV/Ibre, afirma que a redução das emendas para patamar de cerca de R$ 10 bilhões — padrão em outros países — já seria suficiente para equilibrar as contas públicas. Atualmente, elas saltaram de R$ 8,6 bilhões em 2014 para R$ 62 bilhões neste ano.
Ele critica o excesso de poder do Legislativo sobre o orçamento. “Há uma carga excessiva de emendas, que descaracterizam o controle do Executivo e elevam os gastos, com o Parlamento se fortalecendo financeiramente”, afirma Borges. Além disso, há o aumento do fundo partidário e do fundo eleitoral, que, somados, reforçam o protagonismo parlamentar na gestão de recursos.
A influência dos favores políticos
Carlos Melo, cientista político do Insper, destaca que o aumento do número de deputados, previsto para 2026, custará aproximadamente R$ 165 milhões ao Tesouro. Ele argumenta que, com essa ampliação, há uma tentativa de manter privilégios e controlar o orçamento por parte dos parlamentares, muitas vezes sem depender da vontade do Poder Executivo.
Há também a crítica de que o Poder Legislativo atua de forma independente, muitas vezes, recusando cargos do governo e fortalecendo o chamado “governo congressual”.
The ‘jabutis’ no setor elétrico e outras despesas ocultas
Outro ponto destacado por Borges são os chamados “jabutis”, ou seja, matérias adicionadas ao projeto de setor elétrico na última semana, que deverão custar mais de R$ 190 bilhões para os consumidores. Essas mudanças, segundo o especialista, representam um ataque especulativo ao orçamento, favorecendo interesses privilegiados.
Entre as despesas também estão a manutenção de incentivos fiscais, como a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, além de renúncias fiscais como o apoio ao setor de eventos (Perse) e a desoneração da folha de pagamento, que geram uma perda de receita significativa ao Estado.
Crise fiscal e dificuldades na previdência social
As contas públicas também sofrem com o aumento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), cujo custo nos últimos 12 meses atingiu R$ 121 bilhões, de acordo com Borges. Se o benefício voltasse às regras anteriores de 2021, o gasto cairia entre R$ 90 bilhões e R$ 95 bilhões, o que evidência o impacto da flexibilização das regras.
Além disso, o governo enfrenta dificuldades em obter recursos para áreas essenciais, como as Forças Armadas, que sofrem com escassez de verba para radares, caças e navios, enquanto o peso político impede a realização de cortes significativos no Orçamento.
Perspectivas para o cenário fiscal
Analistas alertam que o cenário político de 2026, marcado por uma eleição e o embate de interesses, tende a dificultar uma reforma fiscal efetiva. Ricardo Ribeiro, da LCA 4Intelligence, afirma que o foco dos parlamentares é garantir vantagens eleitorais e manter privilégios, o que complica a racionalização das despesas públicas.
O aumento do participação da União no Fundeb, que passará de 10% para 21%, também traz um ônus adicional estimado em R$ 6 bilhões anuais, reforçando a pressão sobre o orçamento federal.
Em suma, a combinação de ações parlamentares e políticas do governo contribui para um cenário de dificuldades crescentes de equilíbrio fiscal, dificultando a implementação de reformas necessárias para a retomada do crescimento econômico.
Fonte: O Globo