O padre Pero Miličević testemunhou a face mais cruel da guerra aos sete anos de idade, quando sua vila na Bósnia foi invadida por milícias muçulmanas, em 28 de julho de 1993. Naquele dia, 39 pessoas foram mortos, incluindo seu pai e diversos familiares, deixando uma marca indelével em sua infância.
A tristeza de uma infância destruída
Ao recordar o episódio, o sacerdote relata que, naquela manhã, as balas passaram por cima de sua cabeça enquanto brincava com seu irmão gêmeo e outro irmão mais velho. Sua mãe e irmã o puxaram para dentro de casa, tentando protegê-los. O pai, Andrija, que havia saído para ajudar uma tia, também foi assassinado, aos 45 anos. Sua mãe, Ruža, ficou viúva com nove filhos, sendo sete menores.
Na mesma manhã, duas tias e vários primos também foram mortos. “Quando morre uma pessoa, já é terrível; quando morrem três crianças, como aconteceu com minha tia, não sei como o coração de uma mãe consegue não se partir”, confessa o padre, visivelmente emocionado.
Sete meses em um campo de prisão
O massacre daquele dia não foi o fim da tragédia. Sua mãe e irmãos foram deportados para um campo de prisão em Jablanica, conhecido como o “Museu”, junto com cerca de 300 católicos croatas. Lá, permaneceram por sete meses sob condições extremas. “Não tínhamos comida suficiente, não havia higiene, e dormíamos em lajes de granito frio”, relata.
Nesse ambiente, a morte era parte da rotina, mas o que mais pesava era a angústia de não saber o que aconteceria com eles. “A dor física e a fome eram insuportáveis, mas o que mais doía era a incerteza”, lembra.
Fé como sustento na provação
O que sustentou a família foi uma fé simples, herdada de sua mãe: a oração diária do rosário. “Sem fé, oração e o desejo de paz, não teríamos sobrevivido”, afirma o padre. Durante o cárcere, a tentação de vingar-se era constante, mas ele saiu de lá com uma convicção firme: “Devíamos manter a paz no coração e não pensar em vingança”.
Após a libertação, uma nova tragédia: o corpo de seu pai permaneceu exposto por sete meses sem ser sepultado. Somente depois, puderam enterrá-lo — seus ossos, não seu corpo, foi o que restou. “Seu corpo ficou sem sepultura; o que enterramos foram seus ossos”, explica.
Miličević revela que, ao longo dos anos, a fé foi o maior remédio para suportar os sofrimentos. “Essa educação em Deus nos alimentou e nos ajudou a superar horrores que nenhuma criança deveria presenciar”, afirma.
O processo do perdão
Porém, perdoar não foi imediato. “No começo, senti raiva, e a ferida ficou aberta por anos”, confessa. A virada de sua trajetória ocorreu quando decidiu ingressar no seminário. Foi ordenado sacerdote em 2012. “Ao ouvir as confissões dos fiéis, compreendi que não há paz interior sem perdão, e que precisava lidar com tudo o que vivi”, explica.
A volta ao campo de prisão e a libertação interior
Em 2013, vinte anos após o cativeiro, o padre retornou ao campo de Jablanica. “Voltei em lágrimas, mas não era para buscar vingança e sim um passo decisivo rumo à liberdade interior”, relata. Hoje, sua história reforça a mensagem do Papa Leo XIV para o Dia Mundial da Paz de 2026, que será celebrado em 1º de janeiro: “A paz precisa ser vivida, cultivada e protegida”.
Segundo o pontífice, “o mal é vencido pelo bem, não pela vingança ou armas”. Padre Pero lembra ainda que “a bondade é desarmante”, e que é fundamental cultivar a paz na alma e na convivência com o próximo.
Esta história foi inicialmente publicada pela ACI Prensa, parceiro de notícias em espanhol da CNA. Ela foi traduzida e adaptada pela mesma agência.


