Em 1893, a escritora e jornalista italiana Matilde Serao viveu uma experiência transformadora durante sua viagem à Terra Santa, que inspirou o livro Nel paese di Gesù. Ricordi di un viaggio in Palestina, publicado em 1920. Suas palavras oferecem um relato vívido e tocante dos locais sagrados, especialmente da gruta da Natividade, onde nasceu Jesus. Esta narrativa não apenas reflete suas impressões pessoais, mas também resgata a memória de uma época marcada pelo controle do Império Otomano na região.
A alma dos lugares sagrados
Matilde Serao possuía um talento singular para captar a essência dos lugares que visitava. Em sua obra, ela descreve Jerusalém com uma admiração profunda, destacando a igreja latina, que, sob a proteção dos frades franciscanos, resistiu a séculos de conflitos. Seu olhar é penetrante, ela descreve a igreja como “obrigada a navegar por mares tempestuosos”, refletindo a luta e a determinação daqueles que mantêm a fé viva em meio às adversidades.
“Fugaz e ao mesmo tempo onipresente, a alma de uma cidade pode ser encontrada em seus habitantes, em suas paisagens e em seus objetos”, escreve Serao. Essa busca pela alma das cidades revela seu amor pelo mundo que a cerca e seu desejo de compreendê-lo mais profundamente. Cada fragmento, cada rua e cada canto esconde uma história, e Serao é perita em revelá-las através de seus escritos ousados e poéticos.
Belém: um lar para a esperança
Ao chegar a Belém, a escritora experimenta um despertar emocional. A cidade, que até então existia apenas em seus sonhos infantis, se transforma em uma realidade resplandecente, pulsante de vida. “A Natividade irradia toda a sua poesia”, observa. Ela descreve os habitantes de Belém como trabalhadores dedicados, cujas mãos habilidosas criam belas peças a partir de madrepérola, âmbar e madeira de oliveira, símbolos da cultura e da tradição da região.
O Natal em Belém é momento de grande celebração, onde pessoas de todas as partes da Terra Santa se reúnem para participar das cerimônias na igreja da Natividade. Para Serao, essa vivência se torna especialmente significativa ao perceber que o lugar que ela idealizava desde a infância é real. “Aqui nasceu o Menino que eternamente estende as mãos a todas as crianças cristãs”, escreve, ressaltando a simplicidade e a profundidade do lugar que testemunhou a chegada do Salvador.
A gruta da Natividade: um encontro sagrado
A gruta da Natividade é descrita com ternura e reverência. Matilde Serao não consegue deixar de se emocionar ao pensar no nascimento do Menino Jesus em um espaço tão singelo. Sua escrita evoca a natureza austera da gruta, cercada de um campo vibrante de vida. Serao conjura uma imagem rica: “a população de pastores, agricultores, tocadores de gaita e até mesmo caçadores”. Para ela, este é um espaço sagrado que resiste ao tempo e à história.
Ao descer os doze degraus que levam à gruta, Serao é envolvida pela luz que irrompe na escuridão. Ela descreve como a grandeza daquele momento se sobrepõe a qualquer ornamentação. A pureza e a doçura do Natal de Jesus, para ela, superam as cicatrizes da história e das circunstâncias. A autora reflete sobre a tranquilidade do nascimento, que parece silenciar o peso da dor que a humanidade carrega.
O presépio como metáfora da vida
No final de sua jornada, Serao realiza um profundo reencontro consigo mesma, compartilhando suas experiências com as crianças que não conhecem a dor da Paixão. Em sua memória, o presépio é exatamente como elas imaginam: uma pequena gruta cercada de simplicidade e amor. Ela enfatiza a importância de manter viva a imagem do presépio e a conexão com o sagrado que ele representa. “Na gruta escura, a luz da Ressurreição já brilha”, conclui.
A obra de Matilde Serao não é apenas uma recordação de sua viagem; é um convite à reflexão sobre a espiritualidade, a fé e a beleza do humano. Através de suas palavras, convida o leitor a se conectar com a alma de Belém e, por extensão, com a essência da própria existência.

