Aplicativos que prometem gerar versões digitais de familiares falecidos usando inteligência artificial (IA) representam um “perigo espiritual” para católicos e demais usuários, alertam especialistas. A controvérsia ganhou força após o lançamento do app 2wai, que permite criar projeções virtuais de entes queridos com vídeos e áudios antigos.
IA e o luto: riscos e debates na igreja
Em novembro, o CEO da 2wai, Mason Geyser, divulgou em postagem viral no X (antigo Twitter) que a tecnologia poderia permitir que “entes queridos mortos façam parte do nosso futuro”. O vídeo mostra uma família interagindo continuamente com a projeção digital de uma mãe e avó falecida, mesmo anos após sua morte.
Apesar de receber elogios de alguns comentaristas de tecnologia, a reação negativa foi significativa. Críticos condenaram o aplicativo como “vile” (vil), “demoníaco” e “assustador”, além de recearem que poderia ser usado para fins perversos, como manipular a imagem de mortos para publicidades na internet.
Perspectivas religiosas e éticas
O uso de IA para reproduzir pessoas falecidas põe em questão a compreensão católica sobre a morte e o luto. Padre Michael Baggot, LC, professor de bioética na Pontifícia Academia Regina Apostolorum, afirma que as réplicas digitais “podem ajudar a rememorar certas características dos entes queridos” e “ensinar por meio do exemplo”.
Por outro lado, ele alerta que tais imagens “não capturam a riqueza do ser humano encarnado” e podem “deturpar o legado do falecido” ao criar interações e diálogos que ele nunca autorizou.
Reflexões do magistério e alerta sobre os perigos
O Papa Francisco, em 2020, reconheceu que o luto é “um caminho amargo”, mas afirmou que ele pode “abrir os olhos para a vida e o valor sagrado de cada pessoa”, ajudando a perceber “a brevidade do tempo”.
Em outubro, o Papa Leão XIV reforçou que aqueles que lamentam a perda devem “permanecer ligados ao Senhor” e atravessar a dor com sua graça, lembrando que a ressurreição “não conhece desesperança nem dor que nos prenda ao sofrimento sem sentido”.
Brett Robinson, da Universidade de Notre Dame, alerta sobre o “perigo espiritual” de tecnologias que parecem ressuscitar mortos, pois a tecnologia molda nossa percepção de realidade, podendo criar “uma ilusão de reviver os entes queridos” e distorcer conceitos de identidade, vitalidade e presença.
Repercussões na fé e na dor
Robinson compara o fenômeno a antigas visões onde o cosmos era povoado por divindades, demônios e magia, e afirma que a “nova magia” tecnológica está divorciada do cosmos ordenado e espiritual. Segundo ele, essa tecnologia age fora do ordenamento hierárquico criado por Deus.
Donna MacLeod, que atua na pastoral de luto, reconhece que a busca por conexão com quem partiu é natural e profundamente ligada à fé católica e à comunhão dos santos. Ela ressalta que muitas pessoas têm o desejo de ouvir novamente a voz de entes queridos ou de reviver momentos em vídeos familiares.
Entretanto, ela também adverte que o uso de IA pode gerar riscos emocionais e psicológicos, especialmente para quem permanece preso na negação da morte ou sofre de luto complicado. A Igreja Católica proíbe espiritualmente o “conjuramento” dos mortos através de médiuns ou espiritistas, prática considerada como tentativa de manipulação do tempo e do além.
Implicações éticas e espirituais
O padre Baggot destaca que aplicativos como o 2wai coletam dados sobre os falecidos, mas “não preservam a pessoa em sua totalidade”. Além disso, esses clones digitais podem enviar sinais ambíguos sobre a sobrevivência do espírito, prejudicando o processo de cura do luto.
Robinson também cita a liturgia, onde a conexão com os mortos é feita por meio da oração e da memória, e advertiu contra o “universo da tecnologia que se assemelha a magia”, pois tal tecnologia altera “a ordem espiritual” e desafia as crenças sobre o destino final do ser humano, que repousa em Deus e não em registros digitais.
Especialistas reforçam que o luto deve seguir um processo natural, com esperança na ressurreição e na vida eterna, não na ilusão de reviver os mortos por meios artificiais. Assim, a fé cristã orienta a aceitar a ausência e a confiar na misericórdia divina, esperando o reencontro na vida definitiva.
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