A política brasileira vive um momento de grandes incertezas à medida que se aproxima o ano eleitoral de 2026. O lançamento da pré-candidatura do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) provoca um imbróglio que, até pouco tempo, parecia distante do cenário político da direita no Brasil. Essa disputa interna traz à tona questões sobre a representação política, a influência da justiça e os impactos da estratégia do clã Bolsonaro na formação do campo eleitoral.
A sombra de Lula e o cenário de 2018
A situação atual da política brasileira é frequentemente comparada ao “ensaio sobre a lucidez” de José Saramago, onde a cegueira do passado ainda afeta as decisões eleitorais atuais. Em 2018, a candidatura de Lula, mesmo preso, gerou uma alta taxa de eleitores que se mostraram inclinados a anular seu voto ou votar em branco. Naquele momento, 28% do eleitorado se sentia sem candidato, um número que superava Jair Bolsonaro em suas intenções de voto, que alcançava apenas 22%.
Essa falta de opções políticas alimentou a estratégia do PT de sustentar a candidatura de Lula até seu eventual afastamento. O resultado foi uma polarização que, anos depois, ainda reverbera nas escolhas eleitorais. A figura de Lula servia como pano de fundo para o crescimento da popularidade de Bolsonaro, que é tratado por muitos veículos de comunicação de forma neutra, fator corroborado por eventos marcantes, como o atentado em Juiz de Fora.
Fracturas na direita
Hoje, mais de sete anos depois, a candidatura de Flávio Bolsonaro surge em um momento de divisão significativa na direita. Com o pai e ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível, há uma chance para que Flávio, agora em busca de consolidar sua candidatura, enfrente um campo eleitoral menos coeso. Ao contrário da expectativa de que uma candidatura unificada da direita poderia ser mais competitiva, o que se vê é uma fragilidade nas intenções de voto e uma divisão interna.
Recentemente, duas pesquisas foram divulgadas: a do Datafolha e a da Genial/Quaest. No entanto, o resultado dessa última evidenciou um panorama mais positivo para Flávio, que obteve 23% das intenções de voto num possível cenário com Lula. Essa divisão entre as pesquisas reflete a falta de clareza sobre o futuro da candidatura de Flávio e sua habilidade de unificar o eleitorado da direita.
Desempenho nas pesquisas e a resposta do eleitorado
A pesquisa Datafolha, realizada em dezembro, apresentou resultados que foram, em parte, contestados. Sua metodologia não considerou o impacto da candidatura de Flávio, pois foi realizada antes do anúncio oficial. Embora os números tenham mostrado uma vantagem de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, as análises trazem alertas sobre a superioridade de Lula em um eventual segundo turno.
Por outro lado, a pesquisa Genial/Quaest, que foi realizada após o anúncio, coloca Tarcísio e Flávio no mesmo cenário, o que permite uma visão mais direta do desempenho de ambos. Lula seria o vencedor em ambos os cenários, mas as perspectivas de Flávio são apresentadas de maneira mais otimista em comparação a Tarcísio: enquanto Lula atinge 41%, Flávio obtém 23% e Tarcísio, 10%.
A incerteza do eleitor e o potencial de ruptura
O que as pesquisas ainda não capturam, porém, é o efeito potencial de uma disputa polarizada dentro da direita. Se a eleição do primeiro turno desencadear um “fogo amigo”, o resultado poderá ser devastador para todas as partes envolvidas, principalmente se observarmos a história recente da democracia brasileira. Exemplos de disputas internas resultaram em perdas significativas e os personagens dessa narrativa política precisam estar cientes dessa dinâmica.
Em suma, a proposta de Flávio Bolsonaro e as reações que essa candidatura suscita oferecem uma janela de incertezas. O caminho até 2026 não será fácil, e a fragmentação na direita pode moldar o futuro nas urnas. Sem dúvida, este é um ensaio de um drama político em andamento, com possíveis consequências imprevisíveis para o eleitorado e o cenário nacional.
* Mauro Paulino é comentarista político, especialista em opinião pública e eleições.
* Alessandro Janoni é diretor de pesquisas da consultoria Imagem Corporativa. Ambos foram diretores do Datafolha.



