Brasil, 21 de dezembro de 2025
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Projeto de campus para desabrigados em Utah: ajuda ou prisão?

No subúrbio de Salt Lake City, uma área de 16 acres se prepara para a execução de um projeto ambicioso anunciado pela administração do ex-presidente Donald Trump, voltado para a população em situação de rua. A confirmação do governo de Utah, feita no mês passado, estabelece este local como o futuro “campus de serviços”, onde até 1.300 pessoas desabrigadas poderão receber tratamento involuntário para doenças mentais e dependência.

A iniciativa segue uma ordem executiva assinada por Trump em julho, que busca acabar com o que ele chama de “crimes e desordem nas ruas da América”. O presidente havia prometido, durante sua campanha, a criação de grandes áreas de terra destinadas ao reassentamento de pessoas sem-teto, defendendo que os problemas enfrentados por essa população seriam identificados e tratados adequadamente.

Polêmica em torno do tratamento involuntário

Desde que tomou posse, a administração Trump tem pressionado para restringir o financiamento a projetos de habitação permanente e incentivado estados a adotar medidas de “comprometimento civil” por ordem judicial — uma abordagem legal comparada à internação sob a Lei de Saúde Mental do Reino Unido. Essa prática, que deveria ser um último recurso, permite forçar temporariamente o tratamento de indivíduos com doenças mentais que representem perigo para si mesmos ou para a comunidade.

No entanto, ativistas e defensores dos direitos civis têm criticado tanto a ordem quanto os planos de Utah. Eles argumentam que esta visão representa um retrocesso aos anos 1950, uma época marcada pela internação em massa em hospitais psiquiátricos. Somente na década de 1950, cerca de 550 mil pessoas encontraram-se internadas em tais estabelecimentos nos EUA.

Reações fervorosas vieram de vários segmentos da população. Mylisha Facey, uma mulher desabrigada que descreve a nova abordagem como reminiscente de campos de concentração, expressou seu descontentamento com a ideia de tratamento involuntário. Para ela, isso retira a dignidade e os direitos dos indivíduos em situação de vulnerabilidade.

Visões contrastantes sobre a solução proposta

Os defensores do campus, incluindo planejadores estaduais, afirmam que ele poderá acabar com uma “cultura de permissividade” que falhou em quebrar o ciclo de dependência química e de vida nas ruas. Eles apostam em um ambiente que, segundo eles, promoverá o “crescimento humano” ao invés de simplesmente manter as pessoas em situações de rua.

Embora a proposta para o campus em Salt Lake City tenha origem anterior à ordem presidencial, ela reflete um movimento maior em todo o país. Dados federais mostram que a população em situação de rua cresceu quase 60% na última década. O diretor de políticas de segurança pública do Cicero Institute, Devon Kurtz, também menciona que conversas com outros estados, como Idaho e Arizona, estão em curso para explorar projetos semelhantes.

A expectativa é que o campus comece a funcionar até 2027, oferecendo serviços que vão desde tratamentos residenciais até formação profissional.

Desafios de uma cidade em crise

Utah é agora um dos muitos estados enfrentando uma crise crescente de desabrigados, com um aumento de 18% na população sem-teto no último ano. As razões incluem aumento nos custos de habitação e a atração de pessoas em busca de generosidade religiosa no estado. Muitas cidades dos EUA, por exemplo, têm oferecido passagens de ônibus gratuitas para que desabrigados possam se realocar, e alguns se deslocaram de lugares como San Francisco até Utah.

Pastor Shawn Clay, que gerencia a Salt Lake City Mission, uma organização que oferece apoio a homens em recuperação, lamenta a falta de soluções que levem em conta a dignidade das pessoas. Ele critica qualquer pretendida abordagem de tratamento forçado, afirmando que a escolha pessoal deve ser respeitada. A situação é complicada ainda mais pela crescente pressão da gentrificação, fazendo com que muitos serviços anteriores a esta população fossem dispersos, resultando na dificuldade de acesso aos recursos básicos.

A queda na oferta de serviços tem causado um efeito dominó, com desabrigados percorrendo grandes distâncias em busca de refeições, abrigo e tratamento. Dustin McMartin, um homem sem-teto que tem se mudado entre vários estados, comentou sobre o plano do governo, afirmando que um ambiente controlado poderia ser benéfico, mas ressaltou a necessidade de garantir a segurança e a redução da exclusão social.

Críticas e preocupações com os direitos humanos

Por outro lado, existem preocupações sobre a eficácia de soluções coercitivas. Jennifer Mathis, ex-deputada procuradora-geral para direitos civis, observa que a abordagem de compromisso civil obrigatório não é apenas ineficaz, mas também juridicamente questionável se alternativas disponíveis não forem exploradas. “Estão fazendo políticas absurdas ao considerar o tratamento involuntário como a primeira opção”, afirma Mathis.

Enquanto autoridades estaduais afirmam que a solução para a crise envolve a proposta de terapias de emergência e tratamento, muitos concordam que o modelo de “habitação primeiro”, que prioriza o fornecimento de moradias permanentes, deve ser novamente priorizado. Esse método visa resolver a questão de habitação sem condições, após êxitos considerados em reduções de desabrigados em anos anteriores.

Jesse Rabinowitz, do National Homelessness Law Centre, também critica que o enfoque atual não ataca a raiz do problema, que é o custo elevado dos aluguéis. E, embora o governo do Utah tenha enfatizado que sua abordagem buscará respeitar a dignidade humana e a segurança pública, muitas perguntas permanecem sobre como o campus se desenvolverá na prática e se realmente atenderá às necessidades da população em situação de rua.

A Utah Office of Homeless Services reafirma que o estado está comprometido em encontrar um equilíbrio entre dignidade e segurança, mas o debate continua intenso, enquanto a situação das pessoas desabrigadas na cidade se torna cada vez mais crítica.

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