Um debate recente acerca do risco de os seguradoras pagarem pelos medicamentos GLP-1, como Ozempic e Wegovy, reacendeu uma discussão antiga nos Estados Unidos: a saúde é questão de disciplina pessoal ou resultado de condições sociais?
Origem da visão social e individual sobre saúde
Na primeira metade do século XX, a saúde pública se apoiava na compreensão de que doenças, especialmente as infecciosas, eram problemas coletivos influenciados por saneamento, moradia e acesso a recursos. Investigações revelavam que saneamento básico e controle de vetores eram essenciais para reduzir mortalidade, levando saneamentos a serem responsabilidade pública.
A mudança na abordagem no meio do século XX
Por volta dos anos 1950, porém, o foco se deslocou. A melhora no controle de doenças infecciosas e o avanço em vacinas e antibióticos reduziram a mortalidade, levando os pesquisadores a investigarem fatores de risco comportamentais, como fumar, dieta e exercícios físicos, relacionados a doenças crônicas.
Estudos de risco e a ênfase na responsabilidade individual
O estudo de Framingham, iniciado em 1948, foi pioneiro ao identificar fatores modificáveis, como tabagismo e hipertensão, como causas predizíveis de doenças cardíacas. Esse entendimento reforçou a ideia de que a mudança de hábitos poderia prevenir doenças, muitas vezes eclipsando aspectos socioeconômicos que também influenciavam a saúde.
Campanhas de saúde pública e o reforço da disciplina
Na era da Guerra Fria, a disciplina corporal também se tornou uma questão de patriotismo. Campanhas de saúde incentivavam exercícios e cessação do tabagismo, reforçando a noção de que o controle individual do corpo era uma obrigação cívica e uma forma de fortalecer a nação.
Impacto das corporações e o discurso de autonomia
Por outro lado, a indústria tabagista transformou a narrativa, promovendo a liberdade de escolha para evitar regulação. Estratégias semelhantes foram adotadas por empresas de alimentos, defendendo o consumo responsável de produtos com alta carga de açúcar, fortalecendo o discurso de responsabilidade do consumidor.
Relevância para o debate atual sobre GLP-1s
Hoje, essa longa história influencia o debate sobre quem deve pagar pelos medicamentos que auxiliam na perda de peso. Enquanto uns veem os GLP-1s como atalhos que podem desvalorizar o esforço de mudança de hábitos, outros lembram que fatores sociais, econômicos e ambientais moldam a obesidade, questionando se a responsabilidade deve recair apenas sobre o indivíduo.
Especialistas destacam que as condições de vida, acesso a alimentação saudável e o estresse social desempenham papel fundamental na saúde, o que reforça a necessidade de abordagens coletivas e políticas públicas robustas.
Futuro da responsabilidade na saúde
O debate permanece em aberto, refletindo uma luta histórica entre políticas que promovem mudanças estruturais e discursos centrados na autonomia individual. A questão fundamental é se o combate à obesidade e ao uso de GLP-1 deve focar em incentivos pessoais ou em transformações sociais mais amplas.
Segundo especialistas em saúde pública e ética, uma abordagem equilibrada é essencial. Promover o acesso a recursos e educação, ao mesmo tempo em que incentiva a responsabilidade individual, pode ser o caminho mais efetivo para avançar na promoção de uma saúde mais justa e sustentável.


