Em um mundo onde as grandes corporações dominam o mercado, pequenos atos de rebelião por parte dos consumidores estão se tornando cada vez mais comuns. Esses “mini crimes”, que vão desde pequenas fraudes em supermercados até o famoso “friendly fraud”, revelam um descontentamento crescente com a maneira como as grandes empresas tratam seus clientes e funcionários. Em meio a uma economia que parece cada vez mais impessoal, esses comportamentos são vistos como uma forma de revanche em relação a um sistema que muitos consideram injusto.
Culpabilidade ou vingança?
A imensa maioria das pessoas não se sente culpada ao admitir suas pequenas fraudes. Um exemplo disso é o compartilhamento de experiências, como quando alguém confessa que, ocasionalmente, registra maçãs orgânicas como se fossem normais no supermercado ou que devolveu roupas após usar. Para muitos, essas ações são uma forma de lidar com o poder corporativo desmedido e com a crescente desigualdade econômica presente nos Estados Unidos.
É fácil ver por que isso acontece em um ambiente onde empresas grandes e poderosas não hesitam em cortar empregos ou sacrificar o bem-estar de seus funcionários em nome do lucro. Essas empresas se transformaram em grandes conglomerados frios e distantes, muitas vezes ignorando a fidelidade do consumidor e a lealdade à marca.
Em meio a esse cenário, o que muitos veem como pequenos furtos e fraudes se transformam em momentos de “vingança merecida”. Como muitos consumidores justificam suas ações, a lógica é de que, se grandes executivos estão recebendo pacotes de remuneração de trilhões de dólares, não seria justo que alguém roube uns peixes ou decimalize um pedido em uma experiência de autoatendimento.
A crescente normalização dos “mini crimes”
Eyal Elazar, diretor de inteligência de mercado em uma plataforma de prevenção de fraudes, aponta que essa mentalidade “Robin Hood” está se espalhando. Muitos dos infratores não se veem como bandidos, mas como consumidores comuns que se sentem desamparados por instituições que deveriam proteger seus interesses. Eles frequentemente destinam sua “justiça” a marcas que consideram suficientemente ricas para suportar pequenas perdas, como Nike ou Walmart, enquanto tratam com mais carinho empresas menores.
Essas ações de fraudes de baixo valor, como furtos em supermercados e as famosas devoluções de itens produtos usados, não são vistas como crimes maiores. O sentimento geral é de que essas práticas são formas de se vingar de sistemas que falham em proteger o consumidor e que frequentemente exploram os trabalhadores.
O ciclo vicioso do consumo e injustiça
As alterações no comportamento dos consumidores estão ligadas a um sentimento de desconfiança em relação às grandes empresas. Embora as pessoas acreditem que marcas pequenas sejam boas, elas tendem a ser céticas quanto ao modo como empresas gigantes operam, respaldadas por práticas comerciais muitas vezes injustas. As táticas corporativas, como enganar consumidores com taxas ocultas ou políticas de retorno complicadas, apenas reforçam essa ideia de que elas não são dignas de fidelidade e respeito.
Essa perda de confiança nas instituições e a sensação de insegurança financeira criaram um terreno fértil para esse comportamento, onde muitos acreditam que as empresas estão fazendo de tudo para explorar o consumidor. Em um estudo de 2024, apenas 30% dos consumidores afirmaram confiar nas promessas feitas pelas empresas, embora 90% dos executivos acreditassem que eram vistos como confiáveis pelos clientes. Essa discrepância mostra como a desconexão entre consumidores e grandes empresas se agravou.
A justa retribuição ou a banalização do crime?
É interessante observar como as pessoas racionalizam essas pequenas fraudes. Muitas acreditam que estão de fato não prejudicando alguém. Essas racionalizações são uma forma de mitigar a culpa, e frequentemente se manifestam através de negações – negando a responsabilidade, a lesão ou até mesmo o próprio papel da vítima. Racionalizar essa conduta é um mecanismo que permite que os consumidores mantenham sua autoimagem de honestidade enquanto se beneficiam dessas ações.
Essa percepção de injustiça é reforçada pelo sentimento de que os consumidores estão em uma competição desigual com as gigantes corporativas. Acabam, assim, se tornados atores em um comportamento que, em teoria, deveria ser evitado, mas que, na prática, se torna um ato comum de resistência.
O que isso significa para o futuro do consumo
No final das contas, a evolução desse comportamento pode trazer sérias implicações para o futuro do consumo e da confiança nas marcas. À medida que mais consumidores abraçam essa mentalidade de “mini crimes”, as empresas podem precisar se adaptar e reavaliar suas estratégias. Para que a lealdade à marca seja restaurada, é essencial que as empresas reconheçam a importância de tratar clientes e funcionários com igualdade e respeito.
Os tempos de impessoalidade da economia não podem ser ignorados, e a consequência das ações dos consumidores será observada em um mercado que, cada vez mais, deve encontrar um equilíbrio entre lucros e justiça. À medida que a cultura do consumo avança, a crescente noção de “mini crimes” pode não ser apenas um reflexo das frustrações sociais, mas uma representação do desejo de reconquistar a dignidade perdida na relação com as marcas.


