A relação entre Rússia e China, que historicamente sempre se manteve próxima, enfrenta um novo capítulo marcado por uma comunicação e cordialidade sem precedentes. Nos últimos tempos, a China tem se mostrado um parceiro cada vez mais forte e confiável, ofuscando os tradicionais aliados ocidentais. Esse novo cenário levanta questionamentos sobre o futuro da dinâmica entre essas duas potências.
Tensão na Ucrânia e seus desdobramentos
A guerra na Ucrânia, que se arrasta com tentativas de negociação que muitas vezes parecem ilusórias, propõe um novo cenário geopolítico. Segundo o colunista da Rádio Svoboda, Sergei Medvedev, “já existe um vencedor, ou pelo menos um beneficiário, e esse é a China”. Com o fortalecimento da posição chinesa no cenário global, Pequim parece se configurar como uma parceria mais sólida do que os Estados Unidos, enquanto os laços entre Moscou e Pequim se intensificam, apesar das preocupações da China sobre os projetos de infraestrutura da Rússia.
A guinada para o Oriente de Putin
Essas mudanças suscitam indagações sobre a “guinada para o Oriente” promovida por Vladimir Putin. Essa aliança é uma conveniência momentânea, uma amizade sólida ou uma estratégia de longo prazo? A Rússia está gradativamente se tornando um país oriental, um vassalo da China? Essas questões foram debatidas por Medvedev em uma conversa com o sinólogo Alexander Pantsov e o especialista Alexei Čigadaev, que analisaram a evolução histórica e a identidade cultural das duas nações.
Identidade e história compartilhada
A China, assim como a Rússia, possui raízes na dominação mongol, mas seu desenvolvimento foi marcado pela presença de grandes clãs familiares, diferentemente da Rússia, onde comunidades menores foram dispersas ao longo de um vasto território. Essa diferença na estrutura social também afeta a maneira como os indivíduos se relacionam com a comunidade e o Estado. Com essa base coletivista, tanto a China quanto a Rússia apresentam resistência a conceitos ocidentais de democracia e liberalismo.
Embora a Rússia tenha integrado elementos de sua possível identidade asiática com a adoção do cristianismo ortodoxo, é dito que a transformação atual representa um retorno ao que poderia ser sua verdadeira natureza asiática. O peso da história soviética, com sua ideologia coletivista, ainda ressoa na identidade russa, moldando a figura de Putin como herdeiro de um legado totalitário.
História da relação entre Rússia e China
Olhar para a história ajuda a compreender a dinâmica atual. Durante os períodos imperialistas, a China olhava os russos com desconfiança, tratando-os de forma semelhante aos britânicos. Com o tempo, enquanto os russos eram considerados “irmãos maiores” no contexto da relação entre Stalin e Mao Tsé-Tung, hoje a percepção parece se inverter, com a Rússia sendo vista como inferior à poderosa China de Xi Jinping. As interações comerciais entre a China e outros países, como a Ucrânia, mostram um pragmatismo que não se restringe à amizade com a Rússia.
Desconfanhanca e futuro incerto
Em um tempo em que a China tem se mostrado indiferente ao investimento na Rússia, exceto em projetos que lhe agradam, as relações continuam embates de desconfiança e receio. Os russos, especialmente nas regiões mais afastadas, temem uma “colonização reversa”, preocupando-se com a crescente influência chinesa em sua terra. Essa sensação é acentuada pelo desejo de manter uma “soberania tecnológica”, que é questionada em seu êxito frente ao que muitos consideram um “tecnonacionalismo” impotente.
Num panorama onde a Rússia busca disseminar seu modelo autocrático pelo mundo, a China se sustenta em seu sistema único e consolidado. As diferenças demográficas entre os dois países, com a China possuindo uma população dez vezes maior, também revelam a falta de interesse chinês pelos russos, que parecem cada vez mais relegados a um segundo plano nesse novo cenário global.
*AsiaNews


