A crescente implementação de inteligências artificiais generativas (IAGs) na indústria da moda tem gerado debates sobre suas consequências para o trabalho e a sustentabilidade do setor. Apesar da automação avançar em áreas como design e gestão, a produção de roupas, especialmente a costura, ainda é dominada por trabalhadores de baixa qualificação e condições precárias.
O impacto da IA na cadeia de produção da moda
De acordo com o relatório “The State of Fashion 2026”, divulgado pela revista Business of Fashion e pela consultoria McKinsey & Company, a IA deixará de ser uma vantagem competitiva para se tornar uma necessidade. A previsão é que até 2030, cerca de 30% do trabalho na cadeia da moda na Europa e nos Estados Unidos seja automatizado por meio de IAGs e outras tecnologias.
Entretanto, a maior parte da produção mundial de vestuário ainda está concentrada em países do Sul Global, onde a automação tradicionalmente avança de forma mais lenta. Na Ásia, por exemplo, há cerca de 64 milhões de trabalhadores na confecção, enquanto na África, esse número é aproximadamente 1,6 milhão, embora a participação ainda seja pequena comparada às regiões mais desenvolvidas.
Trabalho precarizado e resistência à automação
Apesar da expansão tecnológica, a produção de roupas no Brasil, por exemplo, mantém-se fortemente dependente de relações informais e de baixo salário. Segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT), o setor emprega formalmente 1,3 milhão de trabalhadores, enquanto a soma dos postos indiretos chega a 8 milhões.
Mesmo com a existência de robôs de costura desde os anos 1980, a indústria reluta em adotar essas tecnologias de forma ampla devido ao elevado lucro obtido com mão de obra barata no Sul Global. Assim, a automação da costura permanece uma promessa distante, e as condições de trabalho nessas etapas continuam precárias.
Risco de trabalho escravo e limitações da automação
Dados do Global Slavery Index 2023 indicam que itens de vestuário continuam entre produtos com maior risco de terem sido manufaturados por trabalhadores em condições de escravidão contemporânea. Estima-se que, atualmente, mais de US$ 147 bilhões em roupas e calçados importados pelos países do G20 possam ter sido produzidos sob trabalho forçado.
Para Joana Contino, doutora em Design e pesquisadora na ESPM, essa contradição mostra que a automação e a modernização ainda não alcançaram o setor de confecção na escala necessária para garantir condições dignas de trabalho. “O processo de precarização é uma característica histórica do capitalismo na moda”, afirma.
Perspectivas e desafios futuros
Embora a tecnologia avance, a realidade do setor aponta para um cenário de permanência das condições de trabalho vulneráveis, especialmente nos países do Sul Global. A automação tende a se concentrar na inovação de processos administrativos e de design, enquanto a costura permanece saúde de trabalhadores informais e subvalorizados. Assim, a produção de roupas continua, em sua maior parte, artesanal e precária.
Para especialistas, essa dinâmica reforça a necessidade de políticas públicas e ações que promovam condições decentes de trabalho e a efetiva implementação de tecnologias de forma inclusiva, garantindo que os benefícios da inovação tecnológica cheguem a todos os elos da cadeia produtiva.
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