A recente polêmica em torno do projeto de lei antifacções proposto pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP) ilustra bem os desafios que o Brasil enfrenta no combate ao crime organizado. Na tentativa de criar soluções rápidas para uma crise de segurança que se agrava, a Câmara dos Deputados abre um debate no qual a urgência frequentemente se sobrepõe à análise criteriosa das consequências das novas legislações.
A pressa e suas consequências
Em momento de crise, a ânsia por medidas enérgicas leva à introdução de leis feitas às pressas, como se estas fossem a solução mágica para problemas complexos e profundos. Assim, todo o debate substantivo sobre o que realmente importa deixa de ser prioridade, frequentemente eclipsando a discussão necessária sobre como e por que essas medidas seriam efetivas.
Desde que a operação da polícia do Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho (CV) trouxe à tona as limitações do combate ao crime organizado, a situação tornou-se ainda mais caótica. O próprio presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), se esforça para mostrar liderança e tração reputacional após a polêmica da PEC da Blindagem, anunciou sua intenção de aprovar rapidamente um projeto que visa combater as organizações criminosas.
O papel de Derrite no novo marco legal
O governo Lula havia demorado meses para enviar a proposta da PEC da Segurança Pública ao Congresso, mas, uma vez que o projeto de Derrite foi apresentado, ele ganhou forma rapidamente, sendo protocolado com alterações que equiparavam o crime organizado ao terrorismo e reduziam a autonomia da Polícia Federal (PF).
No entanto, a proposta encontrou resistência robusta. Tanto o governo quanto o Senado e o Supremo Tribunal Federal (STF) expressaram preocupações quanto às implicações que a nova legislação poderia ter, especialmente em relação à investigação e ao controle das facções criminosas.
A fragilidade da proposta
A proposta inicialmente apresentada por Derrite foi vista como uma solução simplista para um problema extremamente complexo. Ao tentar retirar a capacidade investigativa da Polícia Federal, a proposta acabou revelando a falta de consideração das autoridades sobre a real situação das forças policiais estaduais, que frequentemente não possuem recursos ou treinamento necessário para lidar com o crime organizado.
Com o jogo político em pleno andamento, o texto da lei passou por significativas modificações antes de ser finalmente aceito. No entanto, as incertezas permanecem, pois embora as penas tenham sido endurecidas e a transferência de líderes de facções para penitenciárias federais tenha sido estabelecida, a prática e a aplicabilidade dessas normas ainda são questionáveis.
Soluções comprovadas existem
Curiosamente, fora do âmbito da burocracia legislativa, iniciativas já em funcionamento no Brasil mostram que soluções efetivas para o combate à criminalidade não são tão raras. Por exemplo, no Rio Grande do Sul, operações com ‘vara judicial exclusiva’ têm colaborado para cortar o fenômeno da violência, ao usar informações compartilhadas entre diferentes esferas de poder para agir proativamente.
Essa abordagem integrada já demonstrou resultados significativos, ao conseguir reduzir pela metade a taxa de homicídios desde 2017. Esses resultados provam que a solução para o problema do crime organizado no Brasil requer muito mais do que novas leis; necessita de um esforço concertado e de longos prazos, respaldado por dados e por uma análise sólida do que realmente funciona.
Conclusão: a necessidade de uma nova abordagem
O tumulto em torno do PL antifacções reflete uma realidade que o Brasil não pode mais ignorar: a urgência de resolver o problema do crime organizado não deve resultar em legislações improvisadas e superficiais. Em vez disso, o país necessita de um diálogo profundo e fundamentado, que considere as já conhecidas soluções que não dependem de invenções mirabolantes, mas sim de uma coordenação eficaz entre as autoridades de segurança pública e da verdadeira vontade de combater o crime em larga escala.



