O patrimônio histórico brasileiro enfrenta uma crise grave, marcada por desabamentos, abandono e burocracia. Imóveis de valor simbólico e arquitetônico correm risco de desaparecimento, ameaçando a identidade cultural e o potencial de desenvolvimento das cidades.
Casos emblemáticos ilustram a situação de negligência
Em Salvador, o prédio do antigo Restaurante Colon, tombado pelo IPHAN, colapsou em janeiro de 2024 após anos de abandono e ausência de reformas. O edifício representava um símbolo da vida boêmia da cidade, presente nas obras de Jorge Amado, mas foi vítima da inação do poder público e da falta de apoio técnico e financeiro aos proprietários.
No Piauí, a Pensão Portela, em Oeiras, que data do século XIX, sofreu deterioração progressiva desde os anos 2000. Apesar de ser tombada, a ausência de ações concretas e recursos adequados agravaram seu risco de destruição, causando frustração na comunidade local e a perda de uma importante memória política regional.
Falta de políticas integradas e incentivos econômicos
Em Curitiba, o casarão da Rua Barão do Rio Branco permaneceu abandonado por mais de 15 anos, com apenas a fachada preservada. A ausência de políticas urbanas articuladas favoreceu o vandalismo e a desvalorização imobiliária, ilustrando a incapacidade de ação conjunta entre setor público, iniciativa privada e sociedade.
Cuiabá enfrenta cenário semelhante, com cerca de 400 imóveis do centro histórico em risco de desabamento. Em 2023, parte da rua foi interditada por segurança, consequência de anos de negligência e disputas por recursos para restauração, além da insuficiência de crédito aos proprietários.
Desafios na legislação e na gestão do patrimônio
O regime de tombamento, embora restrinja construções e reformas, raramente oferece incentivos financeiros ou assistência técnica para os proprietários. Os órgãos responsáveis atuam com equipes reduzidas e recursos limitados, o que dificulta ações emergenciais e a fiscalização efetiva dos imóveis ameaçados.
A burocracia e a falta de mecanismos de compensação financeira dificultam a manutenção e revitalização de imóveis históricos, levando ao seu abandono progressivo e à perda de uma parte significativa da memória coletiva e do potencial econômico gerado pelo turismo e revitalização urbana.
Caminhos possíveis para a preservação
Experiências em cidades como Curitiba mostram que parcerias entre setor público, sociedade civil e iniciativa privada podem viabilizar a recuperação de imóveis históricos através de incentivos fiscais, linhas de crédito acessíveis e apoio técnico. Essas ações, no entanto, ainda representam exceções no cenário brasileiro.
A revisão das leis de proteção, com a criação de um modelo que equilibre restrições e incentivos, é urgente. É necessário ampliar a cooperação, fortalecer os órgãos de gestão e promover a preservação como responsabilidade coletiva, potencializando o turismo e o desenvolvimento econômico.
Impactos de longo prazo e necessidade de mudança de paradigma
A destruição de casarões, igrejas e pensões não representa apenas a perda de objetos antigos, mas um empobrecimento do tecido cultural, social e econômico das cidades. A crise do patrimônio revela uma fragilidade na capacidade do Estado e da sociedade de valorizar o passado sem comprometer o presente.
Sem uma mudança de visão e ações concretas, muitos bens patrimoniais continuarão a desaparecer, levando embora uma parte importante da história e do futuro do Brasil. Preservar é garantir vínculos identitários, promover o turismo sustentável e fortalecer o desenvolvimento das cidades.


