Seis meses após o início do processo de desocupação, a Favela do Moinho, localizada no centro de São Paulo, se transforma em um cenário de desolação. O vaivém de pessoas diminuiu, dando lugar a tratores, entulho e um inquietante silêncio. Em meio a barracos de madeira caídos e construções demolidas, restam poucos moradores que enfrentam uma rotina cada vez mais difícil.
Um panorama da desocupação
A desocupação da comunidade, a última do centro da capital paulista, se iniciou em abril deste ano. De acordo com o governo do estado, cerca de 880 famílias habitavam o local. Seis meses depois, três em cada quatro já deixaram a comunidade, o que significa que 75% dos moradores se despediram de suas casas. A Justiça Federal, na semana passada, suspendeu as demolições e determinou que o governo do estado realizasse a limpeza do entulho acumulado, uma prioridade diante da situação caótica que se instalou na área.
Na terça-feira, o secretário estadual da Habitação de São Paulo, Marcelo Branco, garantiu que a pausa nas demolições não vai interferir no andamento da operação. Segundo ele, com um novo acordo judicial, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) poderá utilizar equipamentos maiores e mais eficientes para acelerar a retirada dos escombros. “O que definimos foi um cronograma com a Justiça de que nós faremos toda a limpeza do que foi removido ali dentro. Depois disso, continuaremos com as demolições”, afirmou.
Desafios enfrentados pelos moradores restantes
Apesar do avanço na desocupação, os moradores que ainda permanecem na Favela do Moinho enfrentam uma difícil realidade. Daniele Denise, atendente e residente há 20 anos, denuncia o impacto das máquinas e da poeira na qualidade de vida local, além do problema com animais peçonhentos. “A gente sabe que vai sair, mas quer sair com dignidade”, desabafa, destacando o mal-estar causado pelas obras e a pressão para que todos deixem o local rapidamente.
Marinaldo Pereira da Silva, outro morador que deixou a comunidade, compartilhou sua experiência. Ele se despediu de sua casa após 20 anos e se mudou para Itaquera, na Zona Leste. “Não acho ruim morar aqui, mas o pessoal tem que sair, vai fazer o quê? Já assinei tudo, o apartamento é bonzinho”, comentou, demonstrando uma aceitação forçada diante da situação.
Desafios e promessas do programa Minha Casa Minha Vida
A mudança dos habitantes da Favela do Moinho faz parte do programa Minha Casa Minha Vida, que proporciona o financiamento da realocação. Cada família cadastrada deve receber um imóvel quitado de até R$ 250 mil, com recursos dos governos federal e estadual. Esses detalhes foram apresentados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante uma visita à comunidade em junho deste ano.
Entretanto, nem todos os moradores conseguiram garantir suas novas moradias. Leidivania Domingas Serra Teixeira, desempregada e mãe de dois filhos, relatou ter sido informada pela Caixa Econômica Federal que não havia imóveis disponíveis. “Prometeram que a gente ia direto para o apartamento pronto, mas disseram que não iam poder oferecer nada”, disse, expressando o medo de ficar só em meio ao esvaziamento da comunidade.
Impactos no comércio e vida comunitária
O processo de desocupação também teve consequências severas para o comércio local. Cinthia Bonfim Silva, que vendia pães e frios há quase duas décadas, percebeu uma queda drástica no movimento. “Caiu muito, mas enquanto há pessoas eu permaneço. Só que meu psicológico não está bem. Vou precisar de um tempo para esfriar a cabeça”, afirmou, considerando a possibilidade de deixar São Paulo.
Além dos moradorese do comércio, espaços religiosos também não resistem à desocupação. A Capela Nossa Senhora Aparecida do Moinho e a igreja evangélica do pastor Antônio Rocha já estão sendo desocupadas, marcando o fim de um ciclo importante para a comunidade. “O último culto realizado na sexta-feira foi de despedida, com muita emoção”, relatou o pastor, que viu muitos de seus fiéis se mudarem.
A CDHU confirmaram que já emitiu a carta de crédito para Daniele e Leidivania e aguardam que elas escolham seus novos imóveis dentro das regras do programa. O Ministério das Cidades informou que 552 famílias foram enquadradas na compra assistida do programa Minha Casa Minha Vida, mas 40 ainda enfrentam pendências no cadastro.
Um futuro incerto para os moradores da Favela do Moinho
Com as demolições e a saída de moradores, o futuro da Favela do Moinho é incerto. O governo paulista deseja obter a posse do terreno, que pertence à União, para transformar a área em um parque e revitalizar a região, visto como um estágio crucial no combate ao crime organizado.
A situação é complexa e envolve não apenas a necessidade de moradia digna, mas também a preservação da memória e da vida comunitária de tantos que chamaram a Favela do Moinho de lar por tantos anos. Enquanto a desocupação avança, os desafios para os que ficam se intensificam, e a busca de uma nova casa continua sendo um problema cotidiano.