A guerra civil em Mianmar continua a provocar uma grave crise humanitária e política, com a situação se deteriorando diariamente. O país do sudeste asiático, que foi recentemente lembrado pelo Papa durante o Angelus, enfrenta desafios imensos, com o chefe da junta militar admitindo a impossibilidade de realizar as eleições gerais programadas para dezembro em todo o território nacional. Enquanto isso, as milícias de oposição se organizam para compartilhar informações de inteligência e fortalecer sua luta contra a ditadura militar.
A violência em Mianmar não dá trégua
Os combates incessantes entre o exército nacional e as milícias étnicas que lutam contra a opressão militar têm resultado em um grande número de vítimas civis e um agravamento da crise humanitária que já assola a população. Recentes chuvas torrenciais e um terremoto devastador em 28 de março, com uma magnitude de 7,7 que deixou pelo menos 3.700 mortos, exacerbaram ainda mais a situação, empurrando mais de 3,5 milhões de pessoas para a condição de deslocados internos, conforme relatado pelo ACNUR.
No último domingo, 19 de outubro, o Papa Leão XIV fez um apelo por paz em Mianmar durante o Angelus, lamentando as notícias de violência e insegurança. Ele enfatizou a necessidade urgente de um cessar-fogo imediato e efetivo, exhortando todos os envolvidos a trocarem “os instrumentos da guerra pelos da paz” por meio de um diálogo construtivo e inclusivo.
Eleições gerais de dezembro em risco
Com a insegurança crescente, a realização das eleições gerais se torna cada vez mais improvável. Durante uma coletiva, o general Min Aung Hlaing, comandante do exército e chefe da junta militar desde o golpe de 2021, reconheceu que não será possível conduzir as eleições em 100% do território. “É uma situação extremamente grave e, sem a participação da comunidade internacional, será impossível encontrar uma solução real”, declarou Giuseppe Gabusi, analista do programa Indo-Pacífico do World Affairs Institute de Turim.
A própria comissão eleitoral já havia destacado que cerca de 15% dos distritos estavam fora do controle do governo, e o general admitiu que, hoje, as Forças Armadas controlam apenas 20% do território. O restante está em disputa entre o exército e os rebeldes ou sob o controle de diversos grupos locais, sem um governo central claro, o que evidencia a fragilidade da situação política em Mianmar.
Compartilhamento de inteligência fortalece a oposição
Atualmente, as forças do governo mantêm controle sobre as cidades na parte central do país, enquanto as regiões fronteiriças e montanhosas continuam sendo dominadas por milícias étnicas, que historicamente resistem ao governo central. O Governo de Unidade Nacional (NUG), que representa a oposição em exílio, busca integrar as informações de inteligência das diversas milícias para fortalecer sua posição. Segundo Gabusi, “esse processo é possível se houver vontade política para alcançar resultados”.
A coordenação entre o NUG e os diversos atores políticos e militares tem sido desafiadora, dado que este governo está baseado no exterior e precisa do apoio das forças no território para ganhar credibilidade. “A falta de unidade entre as diferentes facções desenha um quadro complexo e, para que o compartilhamento de inteligência seja eficaz, é necessário estabelecer um plano a longo prazo que construa um Estado unificado que respeite as diversas identidades de Mianmar.”
É necessário um esforço internacional coordenado
Para a desestabilização e a transição para a democracia, a comunidade internacional, incluindo organizações como a ASEAN, tem um papel crucial a desempenhar. No entanto, a divisão entre os países da ASEAN em relação à situação em Mianmar complica os esforços para um cessar-fogo. Alguns países, como Malásia e Indonésia, pressionam por um fim das hostilidades, enquanto outros, como a Tailândia, acreditam que as eleições podem ocorrer sem um cessar-fogo, complicando ainda mais a situação.
A presidência atual da ASEAN, sob a Malásia, tem adotado uma abordagem pragmática, mas sem uma iniciativa internacional sólida e unificada para enfrentar os desafios do país, até mesmo as eleições marcadas para dezembro podem não ter a legitimidade necessária para efetuar uma transição pacífica. O teste final, como apontou Gabusi, é que a verdadeira vítima de toda essa crise é a população civil, que anseia por paz e estabilidade em meio ao caos.