A prática de guardar dólares em casa, conhecida como manter dinheiro “embaixo do colchão”, tornou-se uma rotina para muitos argentinos devido à instabilidade econômica histórica do país. Essa conduta reflete uma estratégia de sobrevivência diante de crises sucessivas que abalaram a confiança na moeda local e nas instituições bancárias.
Histórico de crise e perda de confiança no peso argentino
A relação dos argentinos com o dólar se consolidou após a crise de 2001, quando o governo restruiu o saque de depósitos bancários por meio do chamado corralito. Na ocasião, o bloqueio de contas em dólares provocou protestos generalizados e uma crise de confiança no sistema financeiro.
Segundo Marcelo Alves, historiador e especialista em Relações Internacionais, “o corralito representou uma ruptura de confiança, criando uma memória coletiva de vulnerabilidade bancária que persiste até hoje”.
Desde os anos 1980, a Argentina enfrenta ciclos de hiperinflação e desvalorizações que corroeram o poder de compra. Em 2023, a inflação anual ultrapassou 140%, reforçando a percepção de que a moeda local não oferece estabilidade duradoura. “O peso perdeu sua função de reserva de valor”, observa Alves.
Políticas cambiais restritivas fortalecem o uso do dólar
Além das crises, as políticas cambiais limitam o acesso ao dólar oficial. O governo aplica controles rígidos, conhecidos como cepo cambial, dificultando a compra de moeda americana e ampliando o mercado paralelo. Essa escassez contribui para que muitos mantenham reservas pessoais fora do sistema bancário, em notas físicas.
O hábito de poupar em dólares ganhou conotação cultural. Mesmo sem rendimento, o dólar é visto como uma proteção direta contra a perda de poder de compra. A expressão “embaixo do colchão” simboliza essa estratégia doméstica de preservação do valor.
Contexto social e cultural
Para muitas famílias das classes média e baixa, a falta de opções de investimento seguras reforça a preferência pelo dólar físico. Sem confiança nos bancos ou em títulos públicos, o metal verde tornou-se uma forma acessível de poupança e segurança financeira.
Segundo Alves, “a economia argentina aprendeu a conviver com o dólar como elemento estrutural. Ele não é apenas uma moeda, mas parte da vida cotidiana e da organização financeira”.
Perspectivas e desafios atuais
Ao longo de décadas, a presença do dólar no cotidiano argentino foi reforçada por hiperinflação, moratórias e políticas restritivas. O país continua dependente do dólar como refúgio contra as crises recorrentes do peso.
O especialista avalia que, enquanto não houver estabilidade econômica e confiança no sistema financeiro, a prática de guardar dólares em casa permanecerá uma estratégia comum e, muitas vezes, singular de sobrevivência para grande parte da população argentina.
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