João Pedro Nascimento, ex-presidente da CVM e professor da FGV Direito Rio, afirmou nesta sexta-feira (17) que o ordenamento jurídico brasileiro ainda não entende plenamente as transformações do ambiente digital. A declaração foi feita durante palestra sobre regulação da inovação e do mercado financeiro, reforçando que a evolução das normas deve acompanhar o desenvolvimento tecnológico, não antecipá-lo.
A evolução da regulação e o papel do ordenamento jurídico
Durante a apresentação, Nascimento citou o jurista norte-americano Frank H. Easterbrook, destacando que “crenças dos advogados sobre computadores e previsões que fazem sobre novas tecnologias são muito provavelmente falsas”. Ele enfatizou que o direito deve buscar coerência com o que já existe antes de propor novas regras, ressaltando que muitas vezes é mais adequado trabalhar dentro das leis atuais.
O especialista destacou o Parecer de Orientação CVM nº 40/2022, que consolidou entendimentos sobre normas relativas a criptoativos, esclarecendo os limites das competências da autarquia na regulação de ativos digitais. O documento enfatiza que a utilização de tecnologia DLT ou o meio digital por si só não atrai automaticamente a competência da CVM para regular esses produtos.
Regulação, inovação e o papel do regulador
Segundo Nascimento, a função do regulador é garantir previsibilidade e segurança, sem sufocar o avanço tecnológico. “A regulação deve evoluir junto com a tecnologia”, afirmou, destacando que essa abordagem já é adotada pela CVM na questão dos valores mobiliários digitais, embora sem descartar futuras ações regulatórias complementares.
Ele também mencionou a citação do historiador Yuval Noah Harari para ilustrar o quão incerta é a trajetória do avanço tecnológico: “É uma regra de ferro da história que o que parece inevitável em retrospectiva, na época, não é óbvio”. O efeito dessa reflexão é a necessidade de adaptação contínua às mudanças, com responsabilidade e preparação.
Sandbox regulatório e iniciativas de modernização
Nascimento destacou a importância do sandbox regulatório — ambiente controlado de testes — para a inovação no mercado financeiro. Essa ferramenta facilita a colaboração entre agentes de mercado, permitindo o aprimoramento das regulações sem riscos excessivos. A CVM tem demonstrado receptividade a esse modelo, que visa ampliar a segurança e a inovação no setor.
Como exemplo de modernização, ele citou o programa Open Capital Markets, que busca democratizar o acesso a investimentos, ampliar produtos e simplificar o ingresso de investidores no sistema financeiro. Entre as medidas estão a portabilidade de investimentos, chamada de “PIX do Mercado de Capitais”, e o Cadastro de Acesso de Investidores, que facilita a entrada de pessoas físicas.
Inteligência Artificial e a regulação do mercado de capitais
Na segunda parte da palestra, o foco foi a Inteligência Artificial e seus desafios regulatorios. Nascimento utilizou a metáfora do poema “O Aprendiz de Feiticeiro”, de Goethe, para ilustrar o desafio de delegar tarefas às máquinas sem perder o controle.
Ele afirmou que rejeitar a IA não é a solução, mas sim introduzi-la com consciência na sociedade. “A IA já é usada em diversas etapas do mercado financeiro, como na análise de relatórios, demonstrações contábeis e comunicação corporativa”, detalhou. Ferramentas de machine learning e big data ajudam na detecção de irregularidades e na prevenção de riscos sistêmicos em tempo real.
Apesar dos avanços, Nascimento ressalta a importância de uma vigilância regulatória efetiva, garantindo que a inovação aconteça dentro dos limites legais. “Vamos evoluindo a regulação conforme a tecnologia se desenvolve”, afirmou.
Perspectivas futuras e o evento AI Bank Summit
O evento, promovido pela 4U EdTech e Cursos Edgar Abreu, reuniu especialistas para discutir a aplicação da IA no setor financeiro, abordando ética, inovação e regulação. Segundo o organizador, Edgar Abreu, o objetivo é preparar o sistema financeiro para uma nova estrutura impulsionada pelas tecnologias emergentes.
Encerrando a conferência, Abreu ressaltou: “A IA não é apenas uma ferramenta de produtividade, é um novo paradigma para bancos, fintechs e investidores”.
Mais detalhes sobre esse debate podem ser acompanhados na reportagem completa disponível no Portal IG.