A região norte de Moçambique, particularmente a província de Cabo Delgado, enfrenta uma escalada de violência perpetrada por milícias islâmicas, um problema que persiste desde 2017. Mesmo com a intervenção do exército moçambicano e das tropas de Ruanda, a situação continua crítica. O que se observa é um Estado ausente, incapaz de redistribuir as riquezas naturais e proporcionar perspectivas de futuro à sua população. Muitos jovens, desiludidos, acabam sendo recrutados pelos grupos armados que prometem uma vida melhor e rápida lucratividade.
Os horrores da insurreição
De acordo com o missionário padre Filippo Macchi, o som das armas não cessa na região. Desde o início dos conflitos, cerca de 6.257 assassinatos foram registrados, 2.631 dos quais eram civis. As aldeias são invadidas, famílias são ceifadas e a vida dos camponeses se transforma em um ciclo de medo e incerteza. “As colheitas se perdem e as pessoas vêm para as cidades em busca de segurança. No entanto, a vida nas periferias torna-se precária”, explica Macchi. Essa realidade é agravada pela incapacidade das forças armadas de conter completamente os ataques, que continuam a ocorrer, incluindo tentativas de invasões em áreas mais seguras.
A dinâmica dos milicianos
Milicianos do auto-proclamado Estado Islâmico adaptaram suas táticas nos últimos anos, formando células móveis que dificultam a intervenção dos militares. “Essas táticas lhes permitem pressionar os recursos de segurança, mesmo com um número reduzido de combatentes”, detalha Peter Bofin, especialista em assuntos de segurança. As Nações Unidas relatam que a dor e o desespero aumentam, com quase 22 mil pessoas obrigadas a deixar suas casas nos últimos meses.
Motivações que alimentam a insurreição
Segundo análises do Institute for Security Studies, os insurgentes em Cabo Delgado atraem jovens moçambicanos com promessas de riqueza e uma vida melhor. Isso é particularmente alarmante em uma região rica em recursos naturais, como gás e rubis, enquanto a população local vive em extrema pobreza. O padre Filippo enfatiza que a presença islâmica na costa nunca teve uma conotação fundamentalista, coexistindo em harmonia com as tradições locais. “Agora, eles atacam e matam vilarejos inteiros, queimando e destruindo”, lamenta.
Os interesses em jogo
A intervenção militar de Ruanda, por sua vez, tem sido vista como uma benção pela população local, mas as perguntas sobre os interesses de Kigali na região continuam. “Esta área possui muitos recursos, mas os benefícios não têm chegado à população local, que permanece isolada e sem esperanças”, observa Macchi. As promessas de ajuda governamental se mostram vazias, e as comunidades se sentem cada vez mais desamparadas. Essa situação é ainda mais complexificada pelas mudanças climáticas, que têm gerado desastres a cada ano, destruindo o que resta da infraestrutura e das plantações.
A luta pela sobrevivência
Com a crise permeando todos os aspectos da vida local, os desafios são imensos. As pessoas se entregam a uma luta perpétua pela sobrevivência, enquanto esperam por uma mudança que parece distante. “As mudanças climáticas intensificaram a tragédia da instabilidade aqui, e as comunidades sentem que estão à mercê de forças que não controlam”, conclui o padre Filippo. O ciclo de violência, pobreza e desassossego continua, enquanto a esperança de um futuro melhor se esvai entre as promessas não cumpridas e os gritos de socorro que ecoam nas montanhas e vales de Moçambique.