Um estudo técnico, encomendado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a pedido do Governo do Estado do Rio de Janeiro, trouxe à luz informações alarmantes sobre a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). O relatório revelou que os dados sobre a coleta e tratamento de esgoto apresentados pela Cedae no edital de concessão estavam superdimensionados, levantando sérias preocupações sobre a transparência e a governança do processo de privatização dos serviços de saneamento no estado.
Resultados do estudo técnico
Antes do leilão que transferiu os serviços de saneamento para a iniciativa privada, tanto a Cedae quanto o governo foram formalmente alertados sobre as fragilidades nas informações. Mesmo assim, as concessionárias que venceram o leilão agora estão pedindo compensações milionárias, citando um alegado desequilíbrio financeiro.
A dívida reconhecida, calculada em R$ 900 milhões com a concessionária Águas do Rio, é justificada pelo governo e pela Cedae como resultado da superestimação nos dados do edital. O valor, que seria pago através de descontos nas faturas de compra de água, foi suspenso pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), que atendeu a um pedido de deputados estaduais preocupados com a falta de transparência no processo.
Dados da Cedae em questão
O estudo técnico, disponível publicamente e anexado ao edital de concessão, mostrava que os índices de cobertura de esgoto informados pela Cedae estavam muito acima da realidade observada nos municípios. Luiz Renato Vergara, um dos consultores do estudo, declarou que as informações autodeclaradas pela Cedae não condizem com a situação real.
“A Cedae faltou com a verdade. Não tenho dúvida em relação a isso”, afirmou Vergara em uma entrevista ao RJ2. Ele destacou que o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), utilizado pela Cedae, não passa por auditoria, e, portanto, poderia apresentar dados enganosos.
Concessionárias cientes das inconsistências
O que torna a situação ainda mais complicada é o fato de que as concessionárias, que agora alegam prejuízos, tinham acesso ao estudo que apontava as inconsistências. O relatório estava disponível no site oficial e fazia parte dos anexos do edital. Em localidades como Duque de Caxias e Belford Roxo, os números apresentados pela Cedae variavam enormemente dos dados emitidos pela Águas do Rio, revelando uma discrepância alarmante.
Esses dados divergentes levantam questões sérias não apenas sobre a condução do leilão, mas também sobre a eficácia do sistema de saneamento em um estado onde muitos ainda carecem de serviços adequados. Em várias cidades, os índices de cobertura informados pela Cedae estavam entre 33% e 87%, enquanto a concessionária afirma que a cobertura real é praticamente inexistente.
Reivindicações de outras concessionárias
Além da Águas do Rio, outras empresas também estão pleiteando compensações significativas. A Rio Mais Saneamento solicitou R$ 325 milhões, enquanto a Iguá pede R$ 1,5 bilhão. As companhias sustentam que esses recursos são necessários para equilibrar suas contas e continuar os investimentos em saneamento.
A discussão agora gira em torno da legitimidade dessas compensações, considerando que os dados inconsistentes eram de conhecimento prévio. Em nota, o Governo do Estado e a Cedae afirmaram que o contrato de concessão previa a verificação dos dados nos primeiros 24 meses e que já havia uma margem de variação estabelecida.
O que dizem os envolvidos
O BNDES, responsável por contratar o estudo que revelou as falhas nos dados da Cedae, reafirmou que o levantamento foi feito com base em informações oficiais. O banco acrescentou que, devido à natureza subterrânea da infraestrutura de esgoto, a avaliação completa só seria possível após a entrada das novas concessionárias.
A Águas do Rio destacou a responsabilidade do Estado por variações significativas nos índices, afirmando que a compensação acordada se deu através de ajustes nas tarifas em vez de um aumento direto. Por outro lado, a Iguá Saneamento reiterou que os contratos de concessão são dinâmicos e sujeitos a alterações conforme as necessidades surgem.
A Rio Mais Saneamento, por sua vez, não havia respondido aos pedidos de interação da reportagem até a publicação deste artigo. A situação permanece em aberto, com um foco crescente na necessidade de justiça e transparência no processo de concessão de serviços essenciais à população.
Embora o leilão tenha ocorrido, as repercussões em torno das inconsistências dos dados da Cedae ainda reverberam, deixando um rastro de incertezas para o futuro do saneamento no Rio de Janeiro.