Para muitos americanos, a disparidade entre os ensinamentos cristãos e o apoio de certos cristãos ao movimento MAGA de Donald Trump é desconcertante. Como pessoas que professam fé em Jesus, que pregou amor e misericórdia, apoiam políticas que punem imigrantes, demonizam LGBTQ+ e exaltam a crueldade? A resposta pode residir na “moralidade vertical”, uma perspectiva ética que mede a retidão não pelo bem ao próximo, mas pela obediência a uma autoridade superior, seja ela Deus, um líder autoritário ou um ideal político.
O que é a moralidade vertical?
Segundo Tia Levings, ex-fundamentalista cristã e autora, a moralidade vertical ensina que autoridade, poder e códigos morais vêm de “acima” — uma entidade superior que estabelece regras que devem ser seguidas por quem está abaixo. Na religião, essa autoridade é Deus; na política, pode ser um ditador; em um culto, o líder controlador. Essa abordagem afirma que comportamentos só são considerados corretos ou incorretos com base na palavra do poder superior.
Na visão cristã, a moralidade vertical afirma que nossos valores e ações devem agradar a Deus, independentemente do dano causado ao próximo. April Ajoy explica que essa moralidade é alimentada por uma visão de Deus vingativo, onde todos os que desobedecem às leis divinas estão destinados ao inferno. Assim, ações que parecem cruéis ou injustas podem ser justificadas como “santidade” ou “obediência a Deus”, o que justifica a ausência de empatia real.
Como a moralidade vertical molda a política e a justiça
Especialistas afirmam que essa perspectiva explica o apoio de grupos como os evangélicos a políticas extremas. Ajoy destaca que, ao serem ensinados que toda moralidade vem de Deus, muitos acreditam que obedecer a Deus exige ações que, na prática, podem prejudicar os outros. Nos Estados Unidos, isso tem se manifestado na demonização de grupos marginalizados e na aceitação de leis e práticas que violam princípios de amor e compaixão.
Rachel Klinger Cain acrescenta que essa moralidade tem raízes no chamado “teorema do comando divino”, onde a desobediência a Deus é vista como pecado maior que qualquer mal causado. A história bíblica do sacrifício de Isaac, por exemplo, é usada por alguns para justificar a obediência cega. Na atualidade, essa lógica justifica o tratamento desumano de imigrantes, a criminalização de LGBTQ+ e o apoio a políticas de punição severa.
A relação com o autoritarismo
Levings observa que a moralidade vertical é atraente em tempos de incerteza e mudança social. Sua simplicidade traz conforto àqueles que temem o caos. Em contextos de crise, ela oferece um senso de resposta definitiva e fácil, reforçando a ideia de que se há uma autoridade superior que determina o certo, então é preciso seguir a ela a qualquer custo.
Por outro lado, essa estrutura desconsidera avanços científicos, éticos e sociais. Levings pontua que sistemas baseados na moralidade vertical tendem a exclusão, pois rejeitam a diversidade de opiniões e o questionamento de normas que podem estar desatualizadas ou serem injustas.
Perigos e limites da moralidade vertical
Uma das grandes preocupações é que essa abordagem alimenta o autoritarismo e o fanatismo, justificando ações extremas sob a alegação de cumprir a vontade divina ou uma ordem superior. Klinger Cain exemplifica com o apoio de muitos cristãos às políticas de imigração dura, que veem como uma vontade divina de punição e proteção.
Ela alerta que, ao focar na obediência cega e na salvaguarda de uma moralidade “pura”, muitos se afastam dos ensinamentos centrais de Jesus, que pregava amor, empatia e cuidado com o outro — conceitos que são frequentemente ignorados por quem adota a moralidade vertical como regra suprema.
Caminhos para uma moralidade mais horizontal
Especialistas defendem que combinar a moralidade vertical com a horizontal, que valoriza a empatia e o cuidado com o próximo, é o caminho para uma prática cristã mais autêntica e socialmente responsável. Malynda Hale destaca que a verdadeira fé deve ser medida pelo amor e ações concretas pelos outros, e não pela obediência cega a regras.
Ela conclui que, ao priorizar o bem comum e a inclusão, é possível evitar os perigos da moralidade autoritária e construir uma sociedade mais justa e compassiva, alinhada realmente aos ensinamentos de Jesus: amar o próximo, cuidar dos vulneráveis e promover a paz.