Brasil, 9 de outubro de 2025
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Comédia na Arábia Saudita: artístico ou ético?

O festival de comédia em Riade levanta questões éticas sobre o financiamento estatal e os valores dos artistas.

A questão que ecoa entre os comediantes que se apresentaram no recente festival de comédia de Riade é a famosa frase de T.S. Eliot: “E valeu a pena no final das contas?” Com a Arábia Saudita sendo frequentemente associada a violações de direitos humanos e descrita como “o pior dos piores” por uma organização de direitos humanos, essa pergunta começa a refletir o dilema moral enfrentado por estrelas da comédia que escolheram se apresentar lá.

Investimentos em cultura: um novo rosto saudita?

A Arábia Saudita, sob a liderança do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman (MBS), tem investido pesadamente em um esforço para diversificar sua economia dependente do petróleo. Desde futebol até ópera e videogames, o país está tentando mudar sua imagem no cenário global. Recentemente, a comédia se tornou uma nova faceta desse esforço. O festival, que encerra hoje, trouxe grandes nomes como Pete Davidson, Louis CK, Dave Chappelle, Kevin Hart, Aziz Ansari, Whitney Cummings e Jessica Kirson, todos parte de um line-up que fez a Arábia Saudita parecer um destino vibrante e moderno para entretenimento.

Comédia como ferramenta de lavagem de imagem

No entanto, a natureza da comédia e o contexto em que ela ocorre levantam questões sobre seu verdadeiro propósito. A organização do festival pela Autoridade Geral de Entretenimento da Arábia Saudita (GEA) foi, segundo eles, uma tentativa de “amplificar o status de Riade como um destino líder para eventos culturais e artísticos”. Mas essa movimentação é mais do que apenas entretenimento; é também uma maneira de melhorar a imagem do regime, muitas vezes criticado por sua severidade em governos e suas táticas repressivas.

Os riscos da censura

O ambiente de comédia na Arábia Saudita não é completamente livre. Informações vazadas sobre os contratos afirmam que havia restrições severas sobre o que os comediantes podiam apresentar. Atsuko Okatsuka, uma comediante que considerou se apresentar, compartilhou um contrato que detalhava que “qualquer coisa que pudesse degradar ou desmerecer o Reino da Arábia Saudita ou a família real” estava fora dos limites. Essa perspectiva levanta a dúvida sobre como a liberdade de expressão pode ser comprometida em um cenário tão controlado.

Por que os comediantes se apresentam?

A filmagem e a atuação em um festival em um país com um histórico de repressão levantam ainda mais questões éticas. Alguns comediantes, como Pete Davidson, defenderam sua escolha dizendo que não havia restrições em seu material. No entanto, as experiências de outros, como Fahad Albutairi, que foi forçado a deixar uma apresentação no exterior devido à sua nacionalidade, indicam que as consequências podem ser severas. Albutairi, conhecido como “o Jerry Seinfeld da Arábia Saudita”, foi supostamente forçado a divorciar-se de sua esposa, uma ativista dos direitos das mulheres.

A moralidade dos artistas

Enquanto muitos dos artistas podem justificar sua presença no festival em termos de carreira e ganhos financeiros, outros questionam a ética desse envolvimento. Jessica Kirson, uma comediante que se apresentou, expressou arrependimento em uma declaração após o festival, alegando que ficou “surpresa” em ser convidada. Essa posição parece contradizer suas ações anteriores, onde ela havia solicitado uma oportunidade para se apresentar.

Além disso, a comédia se torna uma ferramenta de normalização de um regime autoritário que, segundo relatos, não hesita em silenciar vozes dissidentes. O caso de Abdulaziz Almuzaini, produtor de “Masameer County”, que foi condenado a 13 anos de prisão por “terrorismo e promoção da homossexualidade”, ilustra os riscos que os artistas podem enfrentar ao cruzar limites que o regime considera inaceitáveis.

Conclusão: o futuro da comédia sob regimes autoritários

Por fim, a questão permanece: é aceitável para os comediantes se apresentar em países onde a repressão se estende a questões tão profundas quanto direitos humanos? As discussões sobre a moralidade de tais escolhas continuam e a responsabilidade dos artistas em relação aos seus valores e à sua audiência é mais relevante do que nunca. Neste sentido, a comédia, que deveria ser um reflexo da livre expressão, muitas vezes se torna uma peça na máquina de propaganda de regimes autoritários.

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