Em uma tarde em Genebra, o antropólogo Michel Alcoforado conversou com uma herdeira brasileira sobre o valor de um perfume que remonta à tradição familiar e revela a distância entre classes sociais no Brasil. A cena exemplifica a concentração de riqueza e o isolamento das elites, tema central de seu livro “Coisa de Rico”.
O mundo dos super-ricos e a manutenção das diferenças
Alcoforado, que há 15 anos estuda a vida dos brasileiros mais ricos, afirma que a desigualdade no país é alimentada por uma lógica de performance e domínio de códigos, e não apenas pela renda ou patrimônio. “A riqueza é uma questão de performance”, diz. Enquanto nos EUA a riqueza está relacionada à história de conquista, no Brasil ela é vista como um status naturalizado, reforçando a separação social.
A performance da riqueza e a busca pela naturalização
Segundo o antropólogo, elites brasileiras buscam naturalizar sua posição por meio de referências a um caráter de conquista que supostamente é de nascência. “Tudo está organizado ‘desde sempre'”, explica. Essa narrativa impede que as classes mais pobres avancem socialmente, mantendo as distinções hierárquicas profundamente enraizadas.
O papel da elite na reprodução da desigualdade
Para Alcoforado, entender o comportamento dos ricos é fundamental para compreender como as desigualdades se perpetuam. A pesquisa revelou que os membros dessa camada social criam uma espécie de teatro cotidiano, com jantares e encontros ensaiados, onde a distinção é claramente marcada por gestos, recursos e discursos. O antropólogo descreve uma experiência em Genebra, onde uma herdeira investia 15 mil euros em um perfume de tradição familiar, uma escolha que reforça a diferença cultural entre classes.
Riqueza, racismo e autoimagem
Ainda que a experiência de Alcoforado com o racismo seja semelhante à enfrentada na sociedade brasileira, ele destaca que o preconceito está presente em todos os níveis sociais, não sendo exclusivo das elites. Sua trajetória revela que o racismo é uma chaga universal abordada com cautela no livro, focando na dinâmica social mais ampla.
Por que o Brasil é tão obcecado pelos ricos?
Alcoforado afirma que a paixão brasileira por entender os ricos está ligada ao desejo de imaginar uma mobilidade social, uma crença ilusória de que todos podem enriquecer. O país valoriza a performance da riqueza, independentemente dos recursos reais, criando uma cultura de imitação através de influenciadores, moda e estilos de vida aspiracionais que reforçam essa busca por distinção.
Classificações e a necessidade de menos muros sociais
O antropólogo critica as categorias tradicionais como “novo rico” e “super-rico”, que servem para diferenciar ainda mais as classes. Ele defende um país onde seja possível estabelecer pontes de convivência e compreensão, ao invés de muros que dificultam o diálogo entre diferentes grupos sociais.
O impacto da pesquisa e o futuro da elite brasileira
Reforçando que o livro não revela identidades específicas, Alcoforado mostra que os ricos se reconhecem nas histórias compartilhadas. Sua pesquisa evidencia que a maior parte da sociedade brasileira, mesmo nas classes médias, aspira às mesmas distinções de status, perpetuando o ciclo de desigualdade. “Precisamos criar um Brasil mais conectado, onde menos muros sejam necessários para a convivência social”, conclui.