Dois meses após a implementação do tarifaço anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o impacto na economia brasileira tem sido menor do que o inicialmente estimado. Segundo dados da Amcham Brasil, menos da metade dos produtos brasileiros — 44,6% — estão sob o impacto do máximo de 50% de sobretaxa, enquanto 29,5% sofrem cargas menores e 25,9% permanecem isentos.
Reação e adaptação setorial ao tarifaço
A análise da relação comercial mostra que commodities como café, carne e açúcar, que representam grande parte das exportações, têm maior facilidade de redirecionar as vendas para outros mercados, explica Fabrizio Panzini, diretor de Políticas Públicas da Amcham Brasil. Essa flexibilidade é uma das razões para o impacto mais contido até aqui.
Por exemplo, no setor de café, as exportações para os EUA despencaram 56% em setembro em relação ao mesmo mês de 2024. A previsão é que os embarques para o mercado americano sejam zerados nos próximos dias, sendo substituídos por destinos como a Alemanha, que se consolidam como alternativa. Segundo Marcos Matos, presidente do Cecafé, o aumento atual do preço do café nos EUA — de aproximadamente 284 para cerca de 380 centavos de dólar por libra-peso — reflete essa realocação de mercado.
Impactos regionais e setoriais
Setores dependentes das exportações aos EUA, como o de madeira, maquinaria e móveis, enfrentam estoques elevados, custos crescentes e até demissões. Na indústria madeireira do Paraná, mais de 4 mil trabalhadores já foram dispensados. A empresa Randa, que produz molduras e compensados, teve uma redução de 30% no faturamento devido às sobretaxas, além de dispensar 200 funcionários e reduzir jornadas dos demais.
Embora algumas empresas busquem diversificação de mercados — como a indústria de máquinas, que tenta ampliar vendas na América do Sul e Europa — o impacto se faz sentir sobretudo nas regiões e setores mais dependentes do mercado americano.
Reação do Brasil e estratégias para contornar os efeitos
Para tentar minimizar os efeitos negativos, setores como o de celulose e ferro-gusa entram na lista de isenções às tarifas. Além disso, representantes do mercado brasileiro procuram sensibilizar o governo dos EUA, promovendo argumentos de que as sobretaxas prejudicam principalmente consumidores e pequenas empresas americanas, ao elevar custos e limitar opções de compra.
Enquanto aguarda novo encontro entre o presidente Lula e Donald Trump, o setor busca alternativas, incluindo o aumento de vendas no mercado interno e a diversificação de destinos. Segundo Panzini, há empresas instalando-se em outros países da América Latina para manter o envio de produtos aos EUA, especialmente em setores como móveis e máquinas e equipamentos.
Efeito setorial e perspectivas futuras
Os impactos mais severos se concentram nas commodities e produtos de alta dependência do mercado americano. Dados de agosto revelam que, apesar de uma alta de 1,6% nas exportações brasileiras aos EUA de janeiro a agosto, a variação foi puxada pelo primeiro semestre, já que as vendas em agosto despencaram 18,5%. Estes números indicam que o efeito do tarifaço ainda não se consolidou e que os próximos meses serão decisivos.
O setor de alimentos, como o de peixe, também sofre com a redução de exportações para os EUA, que caiu de 150 para 20 toneladas mensais. Aqui, a busca por clientes no mercado interno e na América do Sul já é uma estratégia adotada pelas empresas.
Segundo especialistas, o impacto mais danoso ocorre fora das commodities, atingindo cadeias de produção mais complexas e menos capazes de se adaptar rapidamente às mudanças tarifárias. Como explica o tributarista Leonardo Briganti, o efeito imediato foi prejudicial ao Brasil, que perdeu competitividade e enfrentou dificuldades de manutenção de empregos em setores variados.
Por enquanto, a expectativa é que as negociações diplomáticas e estratégicas possam reduzir o efeito das sobretaxas, mas o cenário ainda apresenta desafios, com aumento de custos, estoques elevados e necessidade de inovação para manter a competitividade.