O Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão significativa ao confirmar que os filhos de vítimas de hanseníase que foram internadas compulsoriamente, devido a políticas estatais de isolamento, têm até cinco anos para solicitar indenização ao Estado. A decisão foi proferida em um julgamento da ADPF 1060 na última sexta-feira, 26 de setembro de 2023, e divulgada na segunda-feira, 29 de setembro.
O contexto da decisão e suas implicações
A ação foi movida pelo Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), que argumentou que a violação do princípio constitucional de proteção à família deveria isentar os pedidos de indenização do prazo prescricional de cinco anos, comum em dívidas assumidas pela União, estados e municípios. O relator da ação, ministro Dias Toffoli, sustentou que a previsibilidade das decisões judiciais torna necessário seguir a regra de prescrição, mesmo que o Estado tenha reconhecido a gravidade das violações de direitos e implementado uma pensão especial para as pessoas afetadas.
Toffoli ressaltou que o prazo de cinco anos se inicia a partir da publicação da decisão, estabelecendo um marco que dá clareza aos requerentes. Esta decisão pode ter um impacto profundo na vida de muitos que foram afetados por décadas de políticas discriminatórias e de isolamento social.
As vozes dissidentes no julgamento
Embora a maioria dos ministros tenha concordado com o relator, houve dissensos. Os ministros Flávio Dino, Gilmar Mendes, Edson Fachin, Nunes Marques e a ministra Cármen Lúcia votaram de forma parcialmente contrária, o que levanta discussões sobre a necessidade de reparação imediata aos que sofreram injustamente por ações do Estado. A tensão entre a necessidade de proteção jurídica e a urgência na reparação de danos históricos é um tema que deve continuar a ser debatido.
A política de isolamento na história do Brasil
É importante fornecer um contexto histórico para entender a relevância desta decisão. A hanseníase é uma doença infecciosa crônica, causada pela bactéria Mycobacterium leprae, que, se não tratada, pode levar a sérias complicações. Historicamente, a forma como o Brasil lidou com os doentes de hanseníase foi marcada por políticas rigorosas de isolamento. Desde a década de 1920 até os anos 1980, pacientes eram internados compulsoriamente em “hospitais-colônia” e segregados da sociedade.
Os filhos das pessoas afetadas eram muitas vezes separados de seus pais logo após o nascimento e enviados para instituições ou dados para adoção, perpetuando um ciclo de trauma e discriminação. O termo “lepra”, que era utilizado antigamente, foi banido da legislação em 1995 por ser considerado depreciativo, refletindo uma nova abordagem mais respeitosa e humana em relação à doença e às suas vítimas.
Repercussões e o futuro
Com a decisão do STF, espera-se que mais pessoas afetadas possam buscar justiça e reparação, finalmente reconhecendo o sofrimento imposto por essas políticas de isolamento. A mobilização de grupos como o Morhan tem sido crucial para que histórias de injustiça sejam ouvidas, e essa decisão é um passo importante na busca por direitos e dignidade para os afetados pela hanseníase.
O que se espera agora é que a sociedade brasileira e suas instituições continuem a dialogar sobre a importância de reparar os danos causados por tais políticas, ampliando a discussão sobre direitos humanos e a proteção à família, como fundamentais para a coexistência pacífica e respeitosa em nosso país.
A luta contra a hanseníase vai além das questões médicas; trata-se de enfrentar os estigmas e injustiças históricas que persistem na sociedade. Essa decisão do STF não é apenas uma vitória legal, mas uma oportunidade para reconstruir relacionamentos e restabelecer a dignidade daquelas e daqueles que sofreram em silêncio por muito tempo.