A gentrificação nasceu como conceito na década de 1960, quando Ruth Glass descreveu o repovoamento de bairros de Londres por famílias de classe média. Hoje, o termo é utilizado para processos complexos de revitalização urbana, muitas vezes planejados por ações públicas e privadas, que resultam na transformação de áreas degradadas em espaços valorizados. Esses processos, muitas vezes, apresentam objetivos escusos, ligados ao interesse econômico e à mercantilização do espaço urbano, levando à expulsão dos moradores originais.
Gentrificação residencial e de consumo: duas faces do processo
Segundo o geógrafo Mathieu Van Criekingen, existem dois tipos de gentrificação: residencial e de consumo. A primeira refere-se à valorização de áreas residenciais, enquanto a segunda envolve a incorporação de espaços de lazer e cultura voltados ao turismo e ao glamour. A mídia desempenha papel fundamental na promoção desses locais, contribuindo para a formação de uma imagem hegemônica que atrai consumidores e investidores.
Neil Smith afirma que a gentrificação é uma consequência do capital, não um movimento de retorno das pessoas às cidades. O espaço urbano, nesse contexto, é mercadoria, cuja valorização está associada a relações de poder desiguais, principalmente entre os setores da construção civil e as classes mais pobres. Assim, a degradação dos bairros, o abandono de prédios e o aumento da criminalidade fazem parte de uma estratégia de produção do espaço pelo sistema capitalista.
As fases da gentrificação
A prática clássica da gentrificação passa por três fases principais:
1. Jovens e locais baratos
Nesta etapa, jovens com recursos limitados ocupam imóveis em áreas mais acessíveis e em pior estado, dando início a empreendimentos culturais informais, como bares alternativos e ateliês.
2. Mudança de percepção do bairro
O bairro passa a ser visto como jovem e interessante, com jornais e revistas destacando seus eventos e atrativos. Obras de infraestrutura também reforçam essa mudança de imagem, atraindo investidores.
3. Explosão de preços e expulsão
O aumento do valor do metro quadrado e dos aluguéis leva à expulsão dos antigos moradores, que não podem suportar os custos crescentes. Nesse momento, há uma banalização do espaço, com reprodução de modelos de sucesso urbano em diferentes cidades, provocando insatisfação local.
Além disso, a expansão do turismo, especialmente através do modelo Airbnb, intensifica o fenômeno. Imóveis passam a ser utilizados para o aluguel temporário, elevando os preços e contribuindo para a expulsão de moradores permanentes. A turistificação, uma vertente da gentrificação, transforma a cidade em mercadoria, com impactos negativos na estrutura social e na diversidade cultural.
O papel da mercantilização e o impacto no espaço público
O crescimento de empreendimentos voltados ao turismo e ao comércio de alto padrão incentiva uma homogeneização das paisagens urbanas, eliminando elementos locais e tradicionais. Essa tendência favorece uma urbanização banalizada, onde o espaço perde sua identidade original, tornando-se uma mercadoria acessível apenas a um segmento de alta renda.
Para especialistas como Álvaro Ferreira, da PUC-Rio, o ciclo vicioso da gentrificação aponta para uma transformação planejada, que prioriza o retorno financeiro às custas dos moradores tradicionais. Políticas públicas focadas na atração de turistas e investidores muitas vezes reforçam esses processos, dificultando a permanência das populações originais e ampliando desigualdades.
Perspectivas e desafios futuros
Por um lado, a gentrificação pode trazer melhorias urbanísticas e aumento na oferta de serviços. Por outro, resulta na perda da diversidade social e cultural. A regulação do mercado imobiliário, a implementação de políticas de preservação e a promoção de moradia acessível são essenciais para garantir equilíbrio entre revitalização e justiça social.
O debate sobre o impacto social da gentrificação deve continuar, buscando formas de revitalizar as cidades sem perder sua essência e suas comunidades mais vulneráveis.
Fonte: ESG Insights