Brasil, 26 de setembro de 2025
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Reação de uma acompanhante sobre o filme “Anora”: uma perspectiva realista e crítica

O filme “Anora”, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, tem gerado discussões entre profissionais do sexo e espectadores. Embora a produção tenha sido elogiada por sua estética e pelo reconhecimento em premiações, algumas representações na trama despertaram forte reação de uma acompanhante de Manhattan, Emma*, que trabalha em um clube de strip há dois anos. Sua opinião revela uma visão crítica e realista, muitas vezes ignorada na narrativa cinematográfica.

Realismo e distorções na representação do cotidiano de sex workers

Emma afirma que várias cenas do filme parecem espelhar sua experiência diária, como a rotina de clubes de strip. “Quando assisti às primeiras cenas, fiquei intrigada, pois parecia muito com o que vivo. Era como se estivesse no meu trabalho”, relata. Entretanto, ela aponta que certas situações, como os diálogos e atitudes das personagens, distorcem a realidade do setor.

Ela destaca que a cena em que Ani (personagem de Madison) questiona Vanya sobre fazer sexo novamente após já terem sido pagos foi uma dramatização que não condiz com a postura prática adotada por profissionais da área. “Nenhuma de nós, que trabalha nesse meio, continuaria uma relação além do pagamento, porque sabemos que tudo deve ser profissional e controlado”, esclarece.

A influência do filme na percepção pública da prostituição

A acompanhante também criticou a forma como o filme mostra o entusiasmo de Ani ao se envolver com o namorado, interpretando isso como uma idealização que não condiz com a rotina de quem trabalha na indústria do sexo. “Ela parece se apaixonar por alguém que, na minha percepção, não estaria realmente interessado nela; isso reforça uma narrativa romântica que não existe na nossa realidade”, comenta Emma.

Ela acrescenta que a representação da personagem como alguém altamente sexualizada constantemente, mesmo após o casamento, reforça uma visão masculina de sexualidade que não é compatível com a comportamento de muitas profissionais. “Nós usamos uma persona de excitação no trabalho, mas, fora dali, somos diferentes”, explica.

Desconfiança diante do romantismo e da romantização da narrativa

Emma critica também o conceito de que o amor ou o sentimento de apego podem surgir entre uma sex worker e seu cliente. “Na nossa rotina, a maioria sabe que é só trabalho. Se a relação vira algo emocional, ela se torna problemática, porque estamos constantemente cientes de que somos substituíveis”, afirma.

Ela reforça que muitos homens se comportam como “bons samaritanos”, mas na verdade estão apenas tentando conquistar uma conexão emocional que dificilmente será verdadeira. “Existe uma grande diferença entre o carinho genuíno e a fetichização de quem trabalha na indústria do sexo”, completa.

O impacto do filme na percepção de jovens clientes e o papel da violência simbólica

Uma das preocupações de Emma é que o filme possa incentivar uma compreensão distorcida do sexo comercial entre jovens homens, especialmente os que frequentam o ambiente das casas de strip. “Temendo que reproduzam essas idealizações, vejo jovens entrando nos clubes com a ilusão de que podemos nos apaixonar, ou que há uma conexão verdadeira”, comenta.

Ela destaca que essa fantasia alimenta a ideia de que o sex appeal e a vulnerabilidade são ferramentas de conquista, o que pode levar a comportamentos abusivos ou de tentativa de controle, como a tentativa de extrair informações pessoais. “O filme reforça essa narrativa, alimentada pelo desejo de vender uma história triste, mas que poucos entendem como ela é construída”, comenta.

A visão sobre a violência emocional e a precisão na narrativa

Para Emma, a pior parte do filme é a sua manipulação emocional. “Mostram a personagem sofrendo, chorando e se sentindo perdida, o que alimenta o fetiche do público por histórias de dor e vulnerabilidade”, explica. Ela reforça que, na sua experiência, a dor não vem do sexo ou da rotina, mas das questões financeiras e do pouco reconhecimento na sociedade.

Ela também comentou que gostaria que o filme tivesse um desfecho mais realista, com a personagem jogando o telefone de Igor (personagem masculino) fora, e não uma aproximação romântica baseada em sentimentos ilusórios.

Crítica à mercantilização da fantasia masculina

Emma conclui que a narrativa do filme funciona porque reforça a ideia de que histórias tristes vendem. “O que vende é a fantasia masculina de que a mulher do clube é alguém desesperada por amor, quando na realidade somos profissionais tentando sobreviver e manter nossa autonomia”, afirma.

Ela reforça ainda que muitas cenas de “Anora” reforçam estereótipos que favorecem uma visão patriarcal e pouco fiel à diversidade e complexidade da vida de quem trabalha na indústria do sexo. “Precisamos de mais representações que controlem esses discursos, para que não sejamos mais objetos de entretenimento para uma audiência que só quer consumir emoções negativas”, conclui.

*Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada.

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