Um filme de terror australiano, que apresenta uma cena de casamento entre pessoas do mesmo sexo, foi digitalmente alterado para sua exibição na China continental. Essa transformação do casal gay em um heterossexual provocou revolta entre os espectadores que perceberam a mudança após comparar imagens do filme.
O filme Together e sua polêmica na China
O filme “Together”, aclamado pela crítica e estrelado por Dave Franco e Alison Brie, foi lançado em cinemas selecionados na China no dia 12 de setembro. A trama acompanha a jornada de um jovem casal que se muda para o campo e enfrenta mudanças misteriosas e grotescas em seus corpos.
Uma das cenas mais controversas envolve o casamento de dois homens, onde o rosto de um deles foi alterado digitalmente para parecer o de uma mulher. Os cinéfilos na China só perceberam a alteração quando capturas de tela lado a lado da cena começaram a circular nas redes sociais.
Um usuário das redes sociais escreveu: “A troca de rostos feita por IA é realmente inaceitável – isso muda completamente a visão criativa original.” Essa reação reflete uma insatisfação crescente com a prática de censura que, nas últimas décadas, tem se intensificado no país.
Tecnologia e censura: um novo desafio para o cinema
Os filmes precisam passar pela aprovação das autoridades de censura na China para serem lançados no país. Filmes importados frequentemente têm cenas que a censura considera sensíveis ou inadequadas cortadas, mas o uso de tecnologia para alterar cenas de forma digital, ao invés de simplesmente cortá-las, é uma prática relativamente nova. Muitos espectadores reclamaram que isso torna a censura mais difícil de ser percebida.
Um usuário da plataforma Weibo comentou: “O que está acontecendo fora do filme é ainda mais aterrorizante do que o que é mostrado dentro dele.” Essa afirmação destaca a crescente frustração com a repressão de vozes e narrativas LGBTQ+ no cinema.
Representatividade LGBTQ+ em risco na China
Embora a homossexualidade seja descriminalizada na China, ainda é amplamente estigmatizada, com relações heterossexuais tradicionais sendo promovidas como o ideal. A postura do governo, que no passado se resumia a “não apoiar nem se opor” à homossexualidade, tem se transformado, especialmente nos últimos anos, em uma repressão a grupos LGBTQ+, tornando muito raro ver relacionamentos do mesmo sexo em filmes ou programas de televisão mainstream.
Em 2021, a agência reguladora de televisão da China proibiu a exibição de “homens afeminados” na tela. Apesar disso, a opinião pública está cada vez mais favorável às identidades LGBTQ+, com uma pesquisa recententemente publicada revelando que pouco mais da metade da população concorda que pessoas LGBTQ+ deveriam ser aceitas pela sociedade chinesa.
Um usuário do RedNote expressou indignação ao afirmar que o uso de IA para trocar o gênero de personagens gays é “humilhante para os grupos minoritários.” Isso revela a sensibilidade e a resistência da comunidade LGBTQ+ aos esforços de censura.
Embora “Together” estivesse programado para um lançamento geral na China no dia 19 de setembro, o distribuidor chinês do filme interrompeu os planos após a controvérsia, sem explicar os motivos. Essa não é a primeira vez que filmes ocidentais são alterados para se adequarem aos padrões de censura chineses. Em 2018, “Bohemian Rhapsody” foi lançado, mas com referências à sexualidade de Freddie Mercury removidas. A série americana “Friends” também sofreu cortes em menções a uma personagem lésbica nas versões transmitidas em plataformas chinesas.
O diretor de “Together”, Michael Shanks, não respondeu imediatamente a pedidos de comentários. Essa situação levanta questões sobre a liberdade criativa e a forma como a tecnologia e a censura podem impactar a produção cinematográfica.
Pesquisa adicional por Lillian Yang