Brasil, 23 de setembro de 2025
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Reação de uma trabalhadora sexual a “Anora”: opiniões que precisam ser ouvidas

Após o sucesso de “Anora”, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, muitas discussões surgiram sobre a representação do trabalho sexual na obra. Embora o filme tenha sido elogiado pela crítica e pelo impacto na indústria, uma trabalhadora sexual de 25 anos, Emma*, compartilhou suas opiniões intensas e realistas, ressaltando aspectos muitas vezes ignorados na narrativa.

Precisão nas cenas e a reação inicial

Emma afirmou que as cenas iniciais do clube de strip, que retratam o ambiente e o comportamento das profissionais, pareceram muito autênticas. “Eu senti que estava no meu trabalho”, disse ela, reforçando que a veracidade das cenas inicialmente passou despercebida. No entanto, ela questionou pontos específicos, especialmente aquela em que Ani, protagonista do filme, negocia sexo durante uma hora de pagamento, uma situação que ela considerou improvável na prática.

Reação às representações das personagens

Emma ficou particularmente irritada com a cena em que as colegas de Ani celebram seu noivado, algo que ela considerou irreal e desrespeitoso com a dinâmica real do setor. “Ninguém no clube falaria algo assim, especialmente sem alertar ela para os riscos”, explicou. Para ela, as profissionais preferem manter uma certa independência financeira, evitando depender de qualquer homem, especialmente alguém como Vanya, no filme.

Sobre a sexualidade e o amor na rotina

A trabalhadora destacou a diferença entre a persona que ela precisa apresentar no trabalho e seu eu real. “Quando estamos na rua, geralmente, não estamos em um estado de desejo constante. É trabalho, e não desejo”, afirmou. Além disso, ela criticou a narrativa de Ani como alguém extremamente sedutora mesmo após se casar, interpretando isso como uma fantasia masculina que distorce a realidade do trabalho sexual.

Reações às cenas finais e às noções de sentimento

A cena no carro, onde Ani expressa dor emocional, foi particularmente problemática para Emma. Para ela, mostrar dor não é necessariamente representação precisa da vivência de muitas profissionais. “Nossa dor geralmente vem da instabilidade financeira, não de emoções relacionadas à sexualidade”, opinou. Emma também criticou a ideia de que Ani, por ser “boa” e não ter sido forçada, estaria espontaneamente apaixonada por Vanya. “Essa é uma ilusão que reforça a ideia de que o amor é a razão final para o comportamento dela.”

O retrato do setor e a crítica social

Emma observou que o filme reforça uma narrativa de que o trabalho sexual é uma escolha de liberdade, mas também uma experiência que pode gerar sofrimento emocional e financeiro. Ela lamentou que o enredo favoreça a fantasia de que o amor e o sofrimento podem conviver com a profissão, esquecendo-se do que realmente sustenta muitas profissionais: a autonomia e a independência.

Desafios e estereótipos na rotina

A trabalhadora comentou sobre os homens que frequentam os clubes, muitas vezes com expectativas irrealistas de relacionamento ou que se consideram “bons” e “entendidos”. “Eles pensam que podemos querer algo mais do que sexo, ou que estamos certas de que um relacionamento pode acontecer”, disse ela. Essa percepção de privilégio e ingenuidade, segundo Emma, é uma verdadeira fonte de frustração e até risco.

Reflexões finais sobre o filme e sua realidade

Emma finalizou expressando ceticismo quanto à romantização do setor e ao foco excessivo na dor emocional. “A soma do que vivemos não é só tristeza, mas também resistência, inteligência e desejo de autonomia”, afirmou ela. Para Emma, o filme “Anora” reflete um retrato sensacionalista que serve mais ao fetiche masculino do que à verdade das profissionais da sexualidade no Brasil e no mundo.

Ao questionar as representações, Emma reforça a importância de ouvir a voz de quem vive na pele a rotina do trabalho sexual, desconstruindo clichês e estereótipos que alimentam a narrativa de um setor muitas vezes mal compreendido.

*Nome fictício para preservar a privacidade da entrevistada.

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