Centenas de casos de impunidade envolvendo senadores e deputados envolvidos em corrupção, assassinatos e tráfico de drogas chocaram a opinião pública ao longo da década de 1990. A necessidade de autorização do Congresso para processar parlamentares tornou esses casos quase impossíveis de serem investigados, levando a um clima de revolta popular. A situação culminou na aprovação da Emenda Constitucional 35, em 2001, que eliminou a exigência de autorização para que a Justiça pudesse investigar e processar os parlamentares.
A emenda que mudou o cenário de impunidade
Na época, a aprovação da EC 35 foi vista como um avanço para a Justiça e para a sociedade, já que permitiu que crimes cometidos por políticos fossem investigados sem a necessidade de autorização do Legislativo. A jornalista Tereza Cruvinel, que acompanhou essa transição pela cobertura política durante mais de 20 anos, destaca que a emenda surgiu como resposta a diversos escândalos de corrupção e impunidade que vieram à tona.
“O movimento da sociedade foi fundamental. As pessoas estavam cansadas do protecionismo extremo e queriam respostas”, relata Cruvinel.
Contudo, a atual legislatura parece estar caminhando na direção oposta. A Câmara dos Deputados discute a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3 de 2021, conhecida como PEC da Blindagem, que pretende restabelecer a exigência de autorização para processar parlamentares, agora por meio de votação secreta. Essa medida tem gerado preocupação entre especialistas e a sociedade, que veem nela um retrocesso nos avanços conquistados em relação à transparência e à responsabilização de políticos.
Casos que deixaram marcas
Dentre os casos emblemáticos que motivaram a necessidade de uma mudança na legislação estava o do “deputado da motosserra”, Hildebrando Pascoal, que foi condenado após o seu mandato por crimes graves, incluindo homicídios. Tereza Cruvinel explica como situações como essa demonstravam a fragilidade da lei frente a certos parlamentares.
“O caso de Hildebrando é sintomático. A Câmara preferia caçar o mandato do que permitir uma investigação adequada”, assegura a jornalista.
Outro episódio envolvendo Sérgio Naya, responsável pelo desabamento do Edifício Palace 2, que deixou oito mortos no Rio de Janeiro, também acelerou a aprovação da emenda 35. A pressão popular e a indignação perante a impunidade foram decisivas para que a sociedade clamasse por responsabilidades.
Os novos caminhos da blindagem
A proposta atual, defendida por seus proponentes como uma forma de proteger o exercício do mandato parlamentar contra interferências do Judiciário, levanta questões sobre os limites da imunidade parlamentar. O relator da PEC, deputado Claudio Cajado, defende que as medidas não têm como intenção diminuir a responsabilidade legal dos parlamentares.
“A proteção deve ser uma salvaguarda, não uma licença para abusos”, justifica Cajado, buscando tranquilizar a população quanto à possibilidade de corrupção no uso de emendas.
A crítica à PEC da blindagem
Especialistas, por outro lado, questionam a necessidade de tal proteção em um contexto onde já não existe mais a repressão política que justificou sua criação. Para Orlando Maria Brito, analista legislativa, a proteção que deveria ser temporária começa a ser vista como uma porta aberta para abusos.
“Os tempos mudaram, e a necessidade de proteger parlamentares não se sustenta quando se observa o uso indevido da imunidade”, conclui Brito.
Em um momento em que a sociedade clama por responsabilidade e justiça, o debate acerca da PEC da Blindagem deve continuar. O que está em jogo é a capacidade das instituições de manter a integridade do sistema democrático, evitando que políticos possam escapar da justiça por meio de brechas legais.
À medida que a discussão avança na Câmara, é crucial que a população permaneça atenta e engajada nas decisões que podem afetar diretamente o combate à corrupção e a manutenção da democracia no Brasil.