As últimas movimentações no Congresso Nacional, especialmente sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da blindagem e a urgência da anistia, têm gerado intensos debates. O cientista político Carlos Melo, professor do Insper, aponta que essas decisões são mais reflexo dos interesses individuais dos parlamentares do que das reais necessidades da população. Para ele, a questão da impunidade no Parlamento se destaca como uma preocupação maior do que a anistia em si, que ainda depende da sanção do presidente Lula.
O cenário atual e suas implicações
Com a expectativa de renovação de um terço do Senado no próximo ano, Melo acredita que os senadores devem votar levando em conta a repercussão pública. “Sem mudanças estruturais na política e na forma de distribuição de recursos na Câmara, o cenário de desequilíbrios institucionais continuará”, alerta Melo, ressaltando que o processo legislativo atual não parece servir aos interesses da sociedade, mas sim a um pacto de interesses entre os partidos.
O professor critica a ideia de que as instituições estão funcionando corretamente no Brasil, enfatizando que, embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha se destacado durante o governo Bolsonaro, o Congresso falhou em suas funções. “O que funcionou foi o STF e o TSE. A Procuradoria-Geral da República não funcionou. O Congresso não exerceu sua função de controle efetivo”, argumenta.
A dinâmica entre partidos
A aprovação da urgência para o projeto de anistia e da PEC da blindagem ocorre em um contexto em que Melo observa um alinhamento incomum entre a extrema direita e o Centrão, que desenvolvem uma agenda de interesses próprios em detrimento do bem público. “A extrema direita quer a anistia; o Centrão, a blindagem. Foi um pacto de mediocridade. O Centrão votou com a esquerda e a direita. Uma verdadeira dança das cadeiras”, critica.
Em relação à popularidade da anistia, estudos recentes revelam opiniões divergentes entre a população. Segundo Melo, “cerca de 50% a 51% apoiam algum tipo de anistia, mas não para condenados ou próximos julgados”. O debate, portanto, reflete uma sociedade dividida sobre o assunto, com um forte sentimento de inequidade entre as várias classes sociais representadas no Congresso.
O papel do Senado e a pressão popular
Com as eleições se aproximando, a pressão sobre os senadores para que se posicionem de acordo com a opinião pública aumenta. “Os senadores devem se importar com a opinião pública, seja essa a nossa sorte”, diz Melo, que acredita que a mudança de panorama pode ocorrer com um cenário mais adverso ao Executivo. A expectativa é que as reclamações e reações fortes da sociedade possam gerar um debate mais amplo sobre a legitimidade das decisões do Congresso.
Melo também aponta que o atual cenário político não se resume a um conflito entre direita e esquerda, mas representa uma luta mais ampla entre civismo e barbarismo, onde “a questão é se estamos em um sistema democrático e civilizado, com transparência”. A possibilidade de que os parlamentares ajustem suas decisões a gostos pessoais só reforça o sentimento de desconexão entre a elite política e a sociedade.
O futuro da anistia e a postura do governo
Enquanto o debate sobre a anistia se desenrola, o governo Lula enfrenta desafios internos e externos. Melo observa que, ao contrário do que muitos podem acreditar, “o governo Lula, há 60 dias, estava nas cordas. Ele se afogava e a boia veio da própria oposição”. A habilidade do governo em manejar a situação atual estará crucial para os próximos passos e decisões políticas.
As complicações não se restringem à anistia, mas também envolvem estratégias mais abrangentes na condução da política em época de crise. “Enquanto houver fundo eleitoral e partidário, o governo não tem mais o instrumento que existiu nas gestões anteriores. Sem instrumentos de negociação, quem coage é a Câmara”, alerta Melo.
Diante disso, a expectativa é que qualquer caminho escolhido no futuro próximo, seja pela anistia ou pela PEC da blindagem, só sirva para evidenciar o estado da democracia no Brasil e a legitimidade das vozes que se fazem ouvir. O que é certo é que a luta entre interesses e dinheiro pode, inevitavelmente, moldar o futuro da política nacional nos meses que se seguem.