A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3, de 2021, recentemente aprovada na Câmara dos Deputados, traz mudanças significativas na forma como a Justiça pode processar parlamentares. A PEC, também conhecida como “blindagem”, dificulta a abertura de processos criminais não só contra deputados federais e senadores, mas também estende essa proteção aos deputados estaduais e distritais, levantando uma gama de discussões sobre a accountability dos políticos no Brasil.
Aumento da imunidade parlamentar
De acordo com a proposta, a Justiça só poderá processar penalmente os parlamentares após uma autorização prévia da respectiva Casa legislativa em que atuam. Esse aspecto se torna ainda mais relevante considerando a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em um julgamento finalizado em janeiro de 2023, ampliou as imunidades constitucionais para incluir os parlamentares dos estados e do Distrito Federal.
Embora a PEC não mencione diretamente os deputados estaduais, a extensão das imunidades ocorre em função do entendimento do STF, que em ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) analisou as Constituições do Rio de Janeiro e Mato Grosso. O tribunal concluiu que as imunidades estabelecidas no artigo 53 da Constituição se aplicam aos deputados estaduais, conforme expressamente indicado no parágrafo 1º do artigo 27 da Constituição.
Implicações da decisão do STF
Perante a decisão do STF, os estados e o Distrito Federal são obrigados a seguir as garantias previstas a nível federal para deputados e senadores. O professor de direito constitucional, Henderson Fürst, destaca que, enquanto as imunidades se estendem aos deputados estaduais, não se aplica o mesmo raciocínio a vereadores. Esse detalhe pode ter repercussões significativas em futuras ações de inconstitucionalidade que poderiam desafiar a nova interpretação.
“Um novo recurso poderia forçar o STF a revisar sua posição e trazer novos parâmetros para a inconstitucionalidade das normas em questão”, ponderou o professor.
Visões divergentes sobre a PEC
A proposta, que conta com a aprovação da Câmara, divide opiniões. Os parlamentares que defendem a PEC argumentam que a medida é uma forma de proteger o exercício do mandato, evitando a chamada “perseguição política” por parte do Poder Judiciário. Entretanto, essa linha de argumentação é contestada por muitos especialistas e organizações da sociedade civil, que alertam para o potencial de abuso e a fragilidade do sistema democrático diante da impunidade.
A organização não governamental Transparência Internacional destacou que, durante o período em que vigoraram regras semelhantes às da PEC da Blindagem, de 1988 a 2001, apenas uma investigação contra parlamentares foi autorizada, em contraste com 253 inquéritos inviabilizados.
A Transparência Internacional também expressou preocupações de que a nova proposta possa agravar os riscos de infiltração do crime organizado na política local. A organização enfatizou que isso poderia dificultar investigações necessárias para a manutenção da integridade do sistema político.
Um debate necessário sobre a responsabilidade dos parlamentares
As mudanças propostas pela PEC 3 de 2021 levam a uma reflexão crucial sobre a responsabilidade e a transparência dos representantes eleitos. Em um momento em que a corrupção e a desconfiança na política são questões amplamente debatidas, a introdução de barreiras à responsabilização pode gerar inseguranças quanto à capacidade do sistema judicial de atuar de forma independente e imparcial.
Com um verdadeiro embate se formando entre garantias constitucionais e a necessidade de justiça, o futuro da política brasileira aparenta estar nas mãos de um Parlamento que, além de exercer seu papel legislativo, precisa garantir a segurança jurídica de suas ações e a confiança da população.
Os desdobramentos da PEC 3 serão fundamentais para moldar a relação entre políticos e sociedade civil, e sua eficácia será testada não apenas em termos de legalidade, mas também em sua aceitação e repercussões na vida cotidiana dos cidadãos. Com o cenário político em constante mudança, será crucial acompanhar as reações das diversas instituições e da população à medida que a implementação da PEC se desenrola.