Brasil, 12 de setembro de 2025
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Reação de uma trabalhadora sexual ao filme “Anora”: uma visão realista e uma crítica contundente

Recentemente, o filme “Anora”, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, conquistou reconhecimento mundial ao receber cinco Oscars, além de críticas positivas. Enquanto muitos celebram a produção pela sua estética e narrativa, a percepção de uma trabalhadora sexual, Emma*, revela uma perspectiva diferente e mais crítica sobre a representação do trabalho sexual na obra.

Realismo nos primeiros momentos, descontentamento com a narrativa

Emma, que trabalha como acompanhante e dançarina em Manhattan há dois anos, destacou que muitas cenas iniciais do filme soaram verdadeiras para ela. “Quando assisti às primeiras cenas do clube, me senti como se estivesse no meu ambiente de trabalho”, afirmou. Essa impressão de autenticidade aumentou sua expectativa de que o filme pudesse retratar com fidelidade a rotina das profissionais do sexo.

Porém, ela começou a questionar alguns aspectos mais tarde, especialmente ao ver Ani, personagem principal, realizando perguntas sobre sexo durante o pagamento. “Nunca, na minha experiência ou entre minhas colegas, tivemos uma situação dessas. Se já pagaram por uma hora, não tentamos prolongar.”

Representações problemáticas e o impacto na percepção pública

Emma ficou particularmente incomodada com cenas em que as colegas de Ani a apoiam por se envolver com um jovem, Vanya, ignorando suas próprias experiências de independência financeira. “Nunca vimos as mulheres do clube brilhando por depender de um homem, e sim por fazerem escolhas inteligentes que lhes proporcionam estabilidade financeira”, ela explicou.

Ela também criticou a personagem de Ani como sendo excessivamente sexualizada após o casamento, interpretando essa postura como uma fantasia masculina. “Essa forma de representação reforça a ideia de que o trabalho sexual sempre envolve um nível de hipersexualização, o que não condiz com a realidade que conheço.”

Sociedade, vulnerabilidade e expectativas irreais

Para Emma, a percepção de que as trabalhadoras do sexo se apaixonam por seus clientes é falsa e prejudicial. Ela ressaltou que, na prática, há uma consciência constante de que os clientes são facilmente substituíveis. “A gente sabe que talvez sejamos a favorita de alguém, mas nunca criamos uma ilusão de amor verdadeiro.”

O filme, segundo ela, também perpetua a ideia de que toda vulnerabilidade emocional das profissionais do sexo deriva de suas experiências na indústria, o que ela considera uma simplificação da realidade. “Pensar que uma mulher se apaixona por um cliente ou que se sente emocionalmente presa é uma fantasia de alguns homens, não uma rotina verdadeira.”

Impacto dos estereótipos na proteção das profissionais

Emma revelou preocupação com a influência do filme na rotina de jovens homens, que podem interpretar os filmes como uma licença para agir com mais privilégio ou desrespeito. “Tem muita gente acreditando que somos todas esperadas por eles, e isso alimenta a invisibilidade e o abuso.” Ela também mencionou o sentimento de impotência diante de indivíduos que acham que podem ter acesso a informações pessoais por um sentimento de posse.

A dor além da sexualidade: uma visão crítica

Quando questionada sobre a narrativa do filme, Emma apontou que a dor da trabalhadora sexual não se limita à sexualidade, mas também concerne à insegurança financeira e à falta de reconhecimento social. “Ver uma cena de dor emocional sendo romantizada, como se fosse algo intrínseco ao trabalho sexual, é frustrante. Mostram uma narrativa que reforça um estereótipo que não condiz com a minha realidade.”

Ela desejaria que o filme tivesse um final diferente, talvez com a personagem principal rejeitando a figura de Igor e sua sensação de dependência. “A história mostra que se ela fosse mais resistente, teria saído dessa situação.” Para Emma, essa narrativa reforça a ideia de que as profissionais do sexo vivem decepções amorosas por si mesmas — algo que ela considera uma falácia.

Reflexões finais: entre o entretenimento e a realidade

Emma conclui que os filmes de Hollywood frequentemente monetizam e glamorizam o trabalho sexual baseado em fantasias masculinas, onde a tristeza e o sofrimento parecem validar uma narrativa dramática. “As mulheres na indústria não estão aí para fazer um drama emocional, mas muitas histórias vendem essa ideia para atrair audiência e ganhar prêmios.”

Ela reforça a importância de reconhecer a complexidade da experiência das trabalhadoras sexuais e de evitar generalizações ou representações que reforçam estereótipos prejudiciais. Como ela mesma disse, “o que mantém muitas de nós na indústria é a camaradagem, a inteligência e a força que encontramos umas nas outras.”

*Nome fictício para preservação de identidade.

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