No julgamento que condenou os envolvidos no ataque às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro, a ministra Cármen Lúcia fez um discurso contundente em defesa da democracia. Durante seu voto, que se destacou pela indignação e pela análise profunda dos eventos que culminaram no golpe, a decana do Supremo Tribunal Federal (STF) se juntou a seus colegas na condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus.
A exaltação da democracia e o papel do STF
Durante o seu pronunciamento, Cármen Lúcia pautou o voto de forma clara, demonstrando a gravidade dos fatos relatados e a importância da manutenção da ordem democrática. “Não se tem imunidade absoluta contra o vírus do autoritarismo”, afirmou, reforçando os perigos do autoritarismo que, segundo ela, ameaçam a liberdade e os direitos humanos.
O julgamento, que está com 3 votos pela condenação, trata diretamente dos crimes de organização criminosa, tentativa de golpe de Estado e a abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Cármen foi a quarta a se pronunciar, após Luiz Fux, e deixou claro que os fatos narrados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) não foram contestados durante o processo.
A condenação e o “acerto de contas” com o passado
Com o voto de Cármen, a maioria foi formada no STF para condenar os réus, evidenciando a liderança de Bolsonaro em um plano que, segundo a ministra, buscou enfraquecer as instituições democráticas. “Houve uma prova cabal de que o grupo liderado por Jair Messias Bolsonaro desenvolveu e implementou plano para prejudicar a alternância legítima de poder”, apontou.
Cármen descreveu o julgamento como um momento histórico, um “acerto de contas” do Brasil com uma sequência de atos que ameaçaram romper o ciclo democrático. “O Brasil deve se defender e aprender com os erros do passado”, afirmou, insistindo que o 8 de janeiro não pode ser tratado como um evento ocasional, mas sim como uma tentativa de ruptura institucional.
Indiretas e o contraste de estilos
Além da defesa da democracia, Cármen Lúcia também se permitiu ironizar o longo voto do colega Luiz Fux, que se estendeu por mais de 12 horas. “Estou aqui com um voto de 396 páginas, mas não vou lê-lo na íntegra”, disse, referindo-se ao seu discurso mais sucinto e direto, o que foi bem recebido pelos presentes.
O contraste entre os estilos de votação dos ministros continua a chamar atenção. Enquanto Fux adotou uma abordagem mais longa e detalhada, Cármen decidiu ser objetiva, buscando condensar suas ideias em uma argumentação clara e acessível para o público.
Defesa das eleições e do Estado de Direito
A ministra também reiterou a importância da integridade do processo eleitoral e a confiabilidade das urnas eletrônicas, desmentindo as tentativas de associar “voto auditável” a “voto impresso”. Ao contestar a defesa de Alexandre Ramagem, afirmou: “O processo eleitoral é amplamente auditável no Brasil. Passamos por auditoria”.
Cármen Lúcia trouxe à tona a necessidade de se considerar a gravidade dos ataques às sedes dos Três Poderes. Em contraponto à visão de Fux, que minimizou os atos como “bravatas” ou “choros de perdedor”, a ministra enfatizou que tais ações foram, na verdade, resultado de uma organização sistemática, não podendo, portanto, ser tratadas como meros eventos casuais.
Provas e o “tsunami de dados”
Um dos pontos centrais no julgamento é a discussão sobre a validade das provas apresentadas. Cármen Lúcia rejeitou a alegação das defesas de que houve cerceamento de defesa, reforçando que o acesso a todas as provas foi assegurado e que não houve qualquer evidência de prejuízo.
Além disso, Cármen destacou a colaboração de Mauro Cid, um dos réus, enfatizando que sua delação foi feita de forma voluntária e que não há motivos para contestá-la. Ao final de sua argumentação, ela reafirmou que, embora o processo seja complexo, a defesa do Estado de Direito e da democracia é fundamental para o país.
Assim, a ministra Cármen Lúcia, com um voto preciso e bem estruturado, não apenas reforçou as bases da democracia, mas também apontou a importância dos juízes em momentos de crise, mostrando que o STF se mantém firme na proteção de suas instituições e do estado democrático.