O debate sobre a anistia concedida aos crimes da ditadura militar brasileira ficou ainda mais em evidência após as recentes discussões no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os ataques às instituições democráticas em 8 de janeiro de 2023. O professor Raizman, especialista em direito penal e atuação do STF, destacou que a análise da anistia e a gradação da participação dos réus nos crimes de tentativa de golpe são questões cruciais para os julgamentos que estão em curso.
Anistia e Crimes da Ditadura
Raizman argumentou que os crimes cometidos durante o regime militar não podem ser desconsiderados na nova análise do STF sobre anistia. “Se os crimes contra a democracia atuais devem ser punidos, os crimes da ditadura também precisam ser revisados e considerados”, afirmou. Essa afirmação se baseia na perspectiva de que crimes de lesa-humanidade não prescrevem e, portanto, não devem estar sujeitos a um perdão legal que se estende a um passado tão recente e traumático na história do Brasil.
O ministro Flávio Dino, que tem sido um dos principais vozes na discussão, recorreu a esse aspecto ao afirmar que a anistia atual deve ser revista à luz dos acontecimentos de 2023, o que obrigaria o STF a reconsiderar sua postura em relação aos crimes da ditadura. “A coerência exige que se julguem todos os crimes, independentemente de quando ocorreram”, ressaltou o professor.
A Gradação da Participação nos Crimes
Outro ponto levantado por Raizman diz respeito à gradação da participação dos réus nos crimes de ataque às instituições e na tentativa de golpe. Nesta quarta-feira, espera-se que o ministro Luiz Fux apresente um voto divergente em relação ao do relator, Alexandre de Moraes, relacionado a este aspecto. Raizman lamentou que, ao se discutir a multiplicidade de crimes, possa haver uma tentativa de se impor penas mais brandas, minimizando a gravidade do que aconteceu em 8 de janeiro, que foi mais do que uma simples tentativa de golpe.
O Contexto Temporal dos Crimes
O professor destacou que a análise deve considerar o “iter criminis”, ou seja, o trajeto do crime, que no caso dos eventos de 8 de janeiro, começa muito antes da tomada da Praça dos Três Poderes. “O ataque às instituições começou com a deslegitimação da eleição, quando se questionou as urnas e se atacou o STF e o Tribunal Superior Eleitoral”, observou. Assim, o golpe foi o culminar de um processo que visava a desestabilização das instituições democráticas de forma premeditada.
Portanto, a discussão atual do STF não é apenas legal, mas profundamente histórica e moral. Se, por um lado, o julgamento dos crimes cometidos em 8 de janeiro é necessário, por outro, ele deve conduzir a uma reanálise dos crimes da ditadura, assegurando uma justiça que respeite a memória, a verdade e a luta pelos direitos humanos.
O Que Esperar do Julgamento
O desenrolar do julgamento no STF será crucial não apenas para determinar as consequências dos atos de 8 de janeiro, mas também poderá ter repercussões sobre a forma como os crimes do passado serão tratados no futuro. A expectativa é que a Corte, ao confrontar essas questões, consiga estabelecer um padrão de justiça que trate igualmente todos os crimes contra a democracia, independentemente do período em que ocorreram.
O caso levanta muitos questionamentos sobre a legislação e a ética, e coloca em pauta a necessidade de uma discussão profunda sobre o que significa verdadeiramente uma democracia em um país com um passado tão conturbado. Para muitos especialistas e cidadãos, a esperança é que o STF não só responda às demandas por justiça hoje, mas que também crie um caminho para a reparação histórica que o Brasil tanto necessita.
Com uma sociedade cada vez mais vigilante e envolvida na política, a pressão sobre o STF para que faça justiça em todos os casos se torna mais urgente. O que ocorrer a seguir poderá definir não apenas o futuro da legislação penal no Brasil, mas o entendimento do que é a democracia e como ela deve ser defendida.