Ao assistir ao filme “Anora”, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, Emma*, uma acompanhante e dançarina de Manhattan, sentiu uma forte reação de raiva e insatisfação. Ela, que trabalha na indústria do sexo há dois anos, acredita que a produção retrata muitos aspectos de forma distorcida ou superficial, especialmente ao abordar a dinâmica entre os personagens e as experiências das profissionais do sexo.
Representação da indústria do sexo no filme “Anora”
Desde o início, Emma afirmou reconhecer várias cenas do filme como compatíveis com sua experiência cotidiana. “Quando assisti às primeiras cenas do bar, achei até cansativo — o que, na minha visão, indicava que eram fiéis à realidade, pois parecia que eu estava no meu trabalho”, explicou. Para ela, essa veracidade inicial foi o que a levou a crer que a narrativa poderia se aproximar da vida real das profissionais do sexo.
No entanto, ela destacou uma cena em particular: quando Ani está na casa de Vanya e aceita fazer sexo novamente após já ter sido paga. “No meu trabalho, e no de muitas amigas que conversei, nunca fazemos algo só porque já recebemos pelo tempo contratado. É questão de profissionalismo, de limites”, afirmou.
Críticas às atitudes e estereótipos retratados no filme
A visão das mulheres na indústria
Emma também criticou a cena em que as colegas de Ani celebram seu noivado de forma superficial e sem questionamentos sobre o relacionamento ou dependência financeira. “Ninguém ali parece refletir sobre se ela realmente quer se apoiar em um homem que mal conhece e que ainda não ganha seu próprio dinheiro. As meninas na minha experiência querem independência financeira, fazem as escolhas mais inteligentes possível para si mesmas”, explicou.
Ela também repudiou o personagem da colega mal-intencionada, alegando que um comportamento assim não sobrevive na indústria do sexo. “O que mantém a gente no trabalho são as amizades e a inteligência de cada uma. Essa ‘menininha malvada’ não existiria na nossa rotina real.”
A representação de Ani e a narrativa da sexualidade
Emma criticou a forma como Ani é retratada como excessivamente sexualizada e disponível, especialmente após o casamento com Vanya. “Isso parece um sonho masculino de como deveria ser uma mulher na indústria. Na realidade, a persona que usamos no trabalho é diferente da que somos na vida pessoal, e a gente precisa estar sempre em controle disso”, afirmou.
Ela acrescenta: “Se ela está continuando a trabalhar, significa que o dinheiro é importante. Quando entra a questão do amor ou emoções, as coisas se complicam”. Emma viu no roteiro uma distorção do que ela conhece: “Ver Ani se apegar ao Vanya e acreditar que ele realmente a quer, é imaginar que as pessoas na nossa área ainda acreditam em histórias de amor com clientes que são praticamente desconhecidos.”
Percepções sobre o impacto cultural e social do filme
Emma comentou que a obra reforça uma narrativa perigosa: a ideia de que o sexo e a profissão são uma extensão do emocional, algo que ela sabe não refletir sua rotina. “Mostram o prazer de uma forma que parece um sonho de homens, e também reforçam o estereótipo de que somos seres que acreditam na bondade deles, quando na verdade sabemos que somos substituíveis”, explicou.
Ela alertou ainda para a ilusão de que meninos jovens e aparentemente “bons” possam se apaixonar pelas profissionais do sexo, reforçando uma fantasia que ela considera prejudicial. “Tem muito menino que pensa que vamos querer ficar com eles por causa do dinheiro, ou por acharem que podem ser o ‘namorado’ de uma mulher na rua, e isso gera frustração e até insegurança.”
A visão sobre o sofrimento e o fim do filme
Quanto ao desfecho emocional, Emma criticou a idealização da dor associada à sua profissão. “A gente sente dor na questão financeira, na falta de reconhecimento, na forma como somos tratadas na sociedade, mas não necessariamente por causa do sexo em si. Mostram uma versão triste que é mais um desejo masculino de ver mulheres emocionalmente destruídas”, afirmou.
Ela desejaria que o filme terminasse de uma maneira mais realista, como ela mesma acredita ser mais próximo da sua experiência: “Gostaria que terminasse com ela jogando o telefone de Igor fora — isso seria uma representação mais verdadeira de como lidamos com essas situações.”
Reflexões finais e críticas ao entretenimento inspirado na vida real
Emma conclui que obras como “Anora” reforçam uma narrativa sensacionalista e romantizada, na qual o trabalho sexual é visto como algo trágico ou emocionalmente destruidor, quando, na realidade, muitas profissionais valorizam sua autonomia e independência. “As pessoas lucram com essa fantasia de que somos vítimas ou seres cheios de sofrimentos, e isso é completamente distorcido”, ela disse. “O filme funciona porque reforça o desejo dos homens de ver mulheres que parecem frágeis e emotivas.”
*Nome fictício para preservar a privacidade.
Este tipo de discussão é importante para ampliar a compreensão sobre a complexidade da indústria do sexo e evitar simplificações ou estereótipos que prejudicam as profissionais. A opinião de Emma reforça que, enquanto produções cinematográficas podem revelar aspectos da sociedade, elas também podem reforçar conceitos equivocados que afetam a vida real.