Desde o surgimento da inteligência artificial generativa em 2022, essa tecnologia tem sido aplicada em partes do pipeline de produção de Hollywood. Inicialmente, sua utilização se limitou a efeitos visuais, dublagem e storyboarding, sendo vista como uma ferramenta para agilizar processos e reduzir custos. No entanto, surge uma nova ambição: um projeto inovador que visa revolucionar a forma como a indústria do entretenimento emprega a IA.
A ambição de Showrunner
O Showrunner, uma startup financiada pela Amazon, anunciou na última sexta-feira um novo modelo de IA que tem como objetivo criar narrativas longas e complexas. O projeto inovador busca reconstruir os 43 minutos perdidos de The Magnificent Ambersons, obra de Orson Welles. Esse trecho da película foi destruído após executivos de estúdio decidirem queimar o material.
Com a nova plataforma dedicada à criação de conteúdo por meio de IA, os usuários poderão gerar episódios de séries de televisão com apenas algumas palavras. Nos próximos dois anos, a tecnologia será aplicada para reimaginar a sequência que deveria ter sido a sequência de Citizen Kane, que, após a edição inadequada, perdeu um pedaço significativo de sua originalidade.
Desafios e considerações éticas
A iniciativa levanta preocupações sobre a utilização de materiais protegidos por direitos autorais, visto que a tecnologia pode ter sido desenvolvida com base em conteúdos de criadores estabelecidos, cujas obras podem ser substituídas. Edward Saatchi, CEO da Showrunner, descreve a empresa como a “Netflix da IA”, onde os espectadores poderão interagir e criar versões alternativas das propriedades intelectuais que acompanham.
“Ano após ano, a tecnologia está cada vez mais próxima de gerar filmes inteiros com IA”, afirma Saatchi. “Hoje, a IA não consegue sustentar uma história além de um curto episódio, mas a tecnologia da nossa empresa é um passo em direção a um futuro preocupante, mas fascinante, de narrativas geradas por inteligência artificial.”
No entanto, a iniciativa não será comercializada, uma vez que a empresa ainda não detém os direitos do filme junto à Warner Bros. Discovery ou Concord. “Se eles perceberem um mercado e uma maneira de seguir em frente, então, claro, terão a propriedade. O objetivo não é comercializar os 43 minutos, mas permitir que existam no mundo após 80 anos de perguntas sobre ‘poderia este ter sido o melhor filme já feito em sua forma original?’”, completou Saatchi.
A preservação da obra
The Magnificent Ambersons foi filmado em 1941, e sua edição original tinha 131 minutos de duração. Welles, no entanto, havia cedido o direito da versão final e, após a intervenção da RKO, quase um terço das cenas filmadas foi eliminado sem sua aprovação, resultando em perda irreparável de material. Esse corte drástico fez com que partes essenciais do filme se tornassem uma tragédia cinematográfica.
A primeira exibição do filme aconteceu em 1942, e a crítica da The Hollywood Reporter o aclamou, reconhecendo “magníficas qualidades artísticas”, mesmo na versão editada de 87 minutos. O jornal chegou a afirmar que “Orson Welles vale seu peso em ouro” para o estúdio.
A tecnologia por trás da reconstrução
O projeto ambicioso da Showrunner combinará técnicas de cinema tradicional e inteligência artificial. Uma parte das cenas será filmada com atores reais e serão utilizadas tecnologias de transferência de rosto e pose para preservar as semelhanças dos atores originais. Além disso, fotos arquivadas em larga escala servirão como base para re criar as cenas.
Brian Rose, um cineasta que lidera o projeto, dedicou os últimos cinco anos para reconstruir 30 mil quadros perdidos do filme. Ele desenvolveu modelos 3D das antigas cenárias, empregando essas representações para determinar os movimentos da câmera que corresponderiam ao roteiro e ao material arquivístico. Segundo Rose, isso possibilitou a reconstrução da composição e do tempo de cada cena, formando a base para a recriação.
“Um exemplo foi uma tomada de câmera em movimento de quatro minutos, cuja perda é uma tragédia”, declarou Rose. “O movimento da câmera atravessava um salão, enquanto cerca de uma dúzia de personagens passavam e cruzavam os enredos. Era realmente inovador para a época. No entanto, todo o trecho, exceto os últimos 50 segundos, foi cortado”, lamentou.
Tom Clive, especialista em efeitos visuais, que trabalhou em face-swapping e rejuvenescimento, também se juntou à Showrunner para contribuir com suas habilidades no projeto. O resultado final não só representa uma nova era no uso da IA na produção cinematográfica, mas também um passo importante na preservação da história do cinema clássico.
A inovação da Showrunner promete abrir um novo capítulo, não apenas na forma como histórias são contadas, mas também na preservação e redescoberta de clássicos que, de outra forma, poderiam permanecer perdidos no tempo.