O debate sobre a proposta de anistia a indivíduos envolvidos em atos golpistas, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, se intensifica, mas não sem sérios desafios. A oposição encontra diversas barreiras para avançar com a proposta, que vão além da mera necessidade de apoio legislativo. A situação é complexa, envolvendo questões políticas internas, resistência no Senado e obstáculos jurídicos que podem complicar ainda mais o cenário.
Desafios políticos na Câmara e no Senado
Na Câmara dos Deputados, a proposta de anistia requer uma maioria simples, o que significa que precisa de mais da metade dos votos dos parlamentares presentes na sessão. O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), afirma que já conta com o apoio necessário, somando votos de partidos como União (54), PP (45), Republicanos (41), PSD (23), entre outros, totalizando 295 deputados. Contudo, no Senado, o panorama é mais desafiador. A oposição não possui a mesma força na Casa, contando com apenas cerca de 30 dos 81 senadores e enfrentando a resistência do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que já declarou que não pautará a proposta.
Resistência interna e vetos presidenciais
Além da dificuldade de obter votos no Senado, a proposta de anistia também enfrenta a certeza do veto por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo aliados do Palácio do Planalto. Caso a proposta avance e um veto seja efetivamente colocado, será necessário um apoio ainda maior para que haja uma derrubada do mesmo. Diferentemente da maioria simples necessária para aprovar uma proposta, a derrubada do veto demanda uma maioria absoluta: 257 deputados e 41 senadores, independentemente do quórum presente na sessão.
Não obstante, mesmo com a possibilidade de vencer essas resistências, a oposição ainda teria que conquistar mais apoiadores para uma eventual derrubada do veto. Para isso, será imprescindível um compromisso mais sólido entre os aliados.
Obstáculos jurídicos para a anistia
As barreiras para a proposta de anistia vão além da esfera política. Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já indicaram que consideram a medida inconstitucional. Jurisprudências anteriores, como a que invalidou um decreto de indulto a favor do ex-deputado Daniel Silveira em 2023, estabelecem que não é possível aplicar dispositivos relacionados a crimes contra o Estado Democrático de Direito. O advogado Cristiano Maronna, diretor do Justa, lembra que cabe ao Legislativo criar leis e ao Judiciário garantir sua compatibilidade com a Constituição.
A visão do Senado e o controle de constitucionalidade
Segundo o senador Renan Calheiros (MDB-AL), ex-presidente do Senado, a proposta de anistia é “flagrantemente inconstitucional”. Ele defende que é responsabilidade do presidente do Senado não permitir a tramitação de matérias que claramente violam a Constituição. Enquanto isso, diante da pressão da oposição, políticos da base governista tentam diminuir o apoio à anistia, utilizando a pressão popular para fazer o Congresso recuar. Há até uma mudança na nomenclatura, onde alguns defendem que o texto seja tratado como “projeto da impunidade”.
O futuro da proposta
O principal defensor da anistia, Sóstenes Cavalcante, já sugere que a discussão deve ser adiada até após o julgamento da trama golpista no STF, onde Bolsonaro e outros aliados estão entre os réus. A expectativa é que o Supremo finalize a análise da ação penal na próxima semana. Ao que tudo indica, a semana seguinte no Congresso será mais leve, com pautas de consenso entre os partidos, e sessões remotas com menos exigências de presença a Brasília.
Por fim, o apoio dos partidos do Centrão à proposta é cada vez mais instável. Enquanto uma ala do PP aguarda o desfecho do julgamento antes de tomar uma posição, no PSD e no MDB há um claro posicionamento contrário à anistia. Até mesmo aliados próximos de Bolsonaro no PL expressam preocupações sobre uma eventual avaliação negativa do STF em relação à proposta, ressaltando a incerteza que paira sobre os próximos passos no Congresso.
Com um cenário político conturbado, desenhar o futuro da proposta de anistia parece um desafio monumental para a oposição, que precisa lidar não apenas com as divergências internas, como também com as incertezas jurídicas previstas pela maioria do STF.