A série documentária “Fit for TV: The Reality of the Biggest Loser” tem conquistado o topo do ranking no Netflix ao reexaminar criticamente um dos programas de televisão mais polêmicos de todos os tempos. No entanto, seu formato limitado de três episódios deixa de abordar questões fundamentais relacionadas à premissa do próprio programa e às consequências para os participantes.
Ausência de debate sobre a premissa do programa e o conceito de saúde
A produção não questiona a ideia básica do “O Maior Perdedor”, que associa peso à saúde de forma estreita. Especialistes como a Academia Americana de Medicina recomendam que o Índice de Massa Corporal (IMC) não seja utilizado como único indicador de saúde, defendendo uma abordagem mais inclusiva, como o “Health at Every Size” (Saúde em Todos os Tamanhos). Assim, a própria essência do programa resulta em uma visão simplista e prejudicial sobre obesidade e bem-estar.
Risco extremo de perda de peso e recomendações médicas ignoradas
Desde sua criação, o programa parecia projetado para promover perdas de peso acima do que é considerado seguro. Instituições como o Mayo Clinic e o CDC recomendam uma perda semanal de 1 a 2 libras — valores bem diferentes das metas irrealistas apresentadas na atração. Tal disparidade foi destacada em reportagens do “The New York Times” de 2009, que criticaram a abordagem do programa.
Limitações na discussão de processos legais e questões de ética
A série menciona a ação judicial de Dr. Robert Huizenga, médico-consultor do show, contra ex-participante, mas não aprofunda os detalhes controversos que envolveram alegações de uso de substâncias e manipulação médica. Em 2019, essa ação foi arquivada pelo Tribunal, que afirmou a ausência de intenção maliciosa por parte de Huizenga. Contudo, esse episódio evidencia a falta de transparência e os possíveis riscos de saúde enfrentados pelos participantes.
Conduta dos produtores e impacto psicológico nos participantes
Manipulação, acordos de confidencialidade e relação com a mídia
Relatos de ex-participantes revelam uma rotina marcada por overworking, restrição de alimentos, bem como manipulação emocional. Kai Hibbard, ex-concorrente, contou que precisou reduzir líquidos antes das pesagens e fez exercícios extremos por trás das câmeras. Além disso, revelou influência por parte dos produtores na confidencialidade de romances e na distorção de resultados, com perdas de peso muitas vezes mais rápidas do que o natural.
Hibbard também revelou que os profissionais de saúde foram muitas vezes sobrepostos pelos treinadores, e que havia uma clara interferência na orientação médica, o que levanta graves preocupações éticas.
Consequências para a saúde mental e física dos participantes
Casos de distúrbios alimentares, como restrição severa e imagens de vômito após treinos, mostram o impacto psicológico do programa. Trainers como Erica Lugo também relataram terríveis momentos de crise emocional, enfatizando o abuso emocional generalizado.
O legado de estudos sobre os efeitos a longo prazo
Pesquisa publicada pelo National Institute of Health revela que o metabolismo de ex-participantes permanece alterado anos após o fim do programa. Especialistas, como Harvard Medical School, apontam que seus níveis de leptina e metabolismo não retornaram ao normal até seis anos depois, desmistificando a narrativa de que o programa promovia mudanças sustentáveis.
Falta de abordagem sobre o impacto social da estigmatização
Embora o documentário toque na questão do bullying e do estigma, não aprofunda o efeito nefasto que isso tem na interação com o sistema de saúde — muitas vezes resultando em tratamentos negligentes ou evitados por questões de vergonha.
O papel do BMI e a crítica ao peso como símbolo de moralidade
Ao final, o filme alerta para o aumento nas taxas de obesidade, mas não desafia a validade do BMI, que possui raízes racistas e pseudocientíficas. Assim, reforça estereótipos prejudiciais ao consolidar a ideia de que o peso está ligado às más escolhas morais, ignorando fatores sociais e estruturais que dificultam o acesso à alimentação nutritiva.
Síntese do impacto e recomendações
Apesar de o documentário oferecer uma visão contundente sobre as práticas abusivas do programa, ele deixa de explorar a complexidade do tema de saúde, alimentação e inclusão. A ausência de conversa mais profunda sobre a saúde mental, os riscos de métodos extremos e a desmistificação do peso como padrão de moralidade evidencia as lacunas daquele que poderia ser um debate mais completo e responsável.
Para quem deseja um entendimento mais aprofundado, recomenda-se ouvir o episódio de “Maintenance Phase” dedicado a “O Maior Perdedor” ou buscar fontes de apoio como a National Eating Disorders Association pelo telefone 1-800-931-2237 ou texto “NEDA” para 741741.