O debate sobre a concessão de anistia aos envolvidos nos eventos de 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes ganhou novo fôlego no Congresso Nacional. A discussão surge em um contexto de distanciamento do Centrão em relação ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a mobilização de parlamentares que buscam endurecer o confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF). A possibilidade de avançar com a pauta de anistia é vista como uma estratégia de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, para se consolidar como o herdeiro político de Jair Bolsonaro para as eleições de 2026.
A articulação política e a sucessão presidencial
A articulação envolve partidos como PP, União Brasil, Republicanos e PL, e está entrelaçada tanto com a sucessão presidencial quanto com disputas entre os Poderes da República. Há cerca de um mês, durante uma visita a Jair Bolsonaro, que se encontrava em prisão domiciliar, Tarcísio recebeu o aval do ex-presidente para trazer à tona temas relevantes e começou a liderar as negociações em torno da anistia.
Antes de assumir esse papel, o ex-presidente havia solicitado ao ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que ajudasse a viabilizar a pauta de anistia. Com a determinação de Tarcísio, em menos de 48 horas, o governador contatou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), se reuniu com o presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP), e dialogou com líderes de vários partidos para explorar a viabilidade constitucional da proposta.
Desafios e limites da proposta de anistia
Interlocutores próximos ao governador relatam que ele considera a inclusão de Jair Bolsonaro no texto da anistia, mas sem garantir benefícios para os militares, um ponto sensível para muitos líderes do Centrão. O governador está ciente de que uma proposta abrangente pode não ter aceitação nem no Supremo Tribunal Federal, nem no plenário da Câmara.
Por parte do STF, a visão de certos membros é de que não deve haver qualquer acordo nesse sentido. A questão da anistia também serve como um recado ao Tribunal, mencionando a sequência de decisões que tocaram em prerrogativas legislativas, como as relacionadas à execução e controle de emendas parlamentares. Na avaliação de alguns deputados e senadores, o debate sobre anistia seria uma maneira de reforçar a autonomia do Legislativo em relação ao Judiciário.
A coalizão eleitoral em construção
Os dirigentes dos partidos envolvidos na discussão acreditam que a anistia representa a consolidação de uma aliança eleitoral para 2026. Nesse arranjo, a anistia seria uma condição imposta por Bolsonaro para fornecer suporte a Tarcísio, fortalecendo sua imagem nacionalmente e unindo a oposição em torno de uma agenda comum. O apoio de Tarcísio conta também com a aprovação dos presidentes dos partidos PSD e Republicanos, que estão ativamente pressionando pela pauta.
Contudo, a situação é complexa. Enquanto alguns líderes partidários se envolvem na pressão por uma votação, outros evitam se comprometer com o conteúdo da proposta, enfatizando que ajustes são necessários. Flávio Bolsonaro (PL-RJ) classificou o envolvimento de Tarcísio na articulação como total, enquanto Valdemar Costa Neto, presidente do PL, reiterou que o objetivo é favorecer o ex-presidente e garantir a defesa da pluralidade política no Brasil.
Reações e alternativas no Congresso
Alguns parlamentares, como Mário Heringer (PDT-MG), criticam tais articulações, considerando-as provocativas e prejudiciais à estabilidade democrática. Por outro lado, a oposição se posiciona de maneira diferente, argumentando que, com a iminente condenação de Bolsonaro, não deve haver espaço para anistias parciais.
Em meio a essa instabilidade, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), articula um projeto alternativo que excluiria Bolsonaro e outros réus de destaque nos eventos de 8 de janeiro. O objetivo é criar uma tipificação que diferencie os crimes, focando nos que tiveram papel secundário, enquanto busca reduzir o rigor das penas.
Como se pode notar, a discussão e as articulações em torno da anistia estão longe de ser resolvidas. A pressão crescente sobre os parlamentares reflete o jogo político em andamento e as complexidades das relações entre os Poderes.
A política brasileira, com suas nuances e tensões, continua a ser um campo de batalha em que decisões importantes como essa moldarão o futuro da nação e da sua democracia.