As sustentações orais realizadas entre terça e quarta-feira no Supremo Tribunal Federal (STF) no contexto da ação penal contra os réus da trama golpista se destacaram não apenas pelo conteúdo jurídico, mas também pelas referências artísticas e históricas que permeiam as defesas. Os advogados buscaram trazer uma nova perspectiva ao caso utilizando obras de renomados artistas e literatos para respaldar seus argumentos.
Referências de Van Gogh a Fernando Pessoa
Entre os mais citados, Andrew Fernandes Farias, defensor do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, fez uso de referências que variaram de Vincent Van Gogh ao poeta português Fernando Pessoa. Farias, em suas alegações, mencionou o famoso quadro “O Semeador” de Van Gogh, comparando a missão do advogado a desse camponês que semeia paz e justiça. Ele afirmou:
— Contemplando a tela O Semeador, de Van Gogh, compreendi que a missão do advogado é como daquele simples camponês, que anda pelo campo semeando paz, liberdade, justiça, esperando que caia em terra boa e dê fruto.
Farias também trouxe à tona um diálogo da obra “Alice através do espelho”, de Lewis Carroll, no qual se discute a natureza das palavras e seu significado. Segundo ele:
— Eu lembro do Lewis Carroll, aquela famosa passagem do diálogo entre Alice e Humpty Dumpty. Quando eu uso uma palavra, ela significa exatamente aquilo que eu quero que signifique, nem mais, nem menos.
Literatura e História no tribunal
As citações não pararam por aí. O advogado também fez referência ao poema “Poema em linha reta” de Fernando Pessoa, falando sobre a condição do arrependimento e equívocos que surgem em discursos públicos:
— Nunca vi quem tivesse falado uma bobagem, todos os meus amigos são príncipes, semideuses, todo mundo é sempre elegante. E aí ele teve um momento ali de deselegância, de indelicadeza.
Além disso, o especialista mencionou a obra de Gonçalves Dias, adaptando um verso do poema “I-Juca Pirama” para enfatizar a origem nordestina do acusado, mostrando a relação de identidade e força que isso representa.
Relações com casos históricos
Outros advogados também contribuíram com suas referências. Paulo Cunha Bueno, que representa o ex-presidente Jair Bolsonaro, fez menção ao Caso Dreyfus, que expõe a injustiça e a luta por um julgamento justo, alertando para que não se deixasse transformar o caso atual em uma nova versão do episódio que abalou a França no século XIX. Ele lembrou:
— Senhores ministros, não permitamos, em hipótese alguma, criarmos neste processo uma versão brasileira e atualizada do emblemático caso Dreyfus.
O advogado Demóstenes Torres também buscou conectar sua argumentação à Revolução Francesa ao criticá-lo por uma declaração errônea feita pelo deputado Guilherme Boulos, que confunde os monarcas franceses Luís XIV e Luís XVI, ressaltando a importância da precisão em um contexto histórico.
A percepção cultural no tribunal
Durante o julgamento, as altos índices de cultura e educação foram identificados como essenciais para uma defesa robusta. As referências a figuras históricas e literárias não apenas embasam as defesas, mas também proporcionam uma conexão emocional e cultural com os membros do tribunal e o público. Essa abordagem revela o modo como a arte e a literatura continuam a influenciar e moldar os discursos atuais, especialmente em momentos de grande importância política e social.
O uso de tais referências enriqueceu o debate, trazendo à tona a importância de considerar o contexto histórico e cultural na análise de casos legais, especialmente em um país como o Brasil, que possui uma rica tradição literária e uma história marcada por injustiças.
Com essa combinação de arte, literatura e história, os advogados não apenas apresentaram suas defesas, mas também convocaram um diálogo mais amplo sobre justiça, verdade e a busca por um sistema judicial mais transparente e equitativo.