Brasil, 3 de setembro de 2025
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Reação de uma trabalhadora sexual ao filme “Anora”: uma perspectiva realista e crítica

Recentemente, o filme Anora, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, tem provocado discussões sobre a sua representação da vida de sex workers. Enquanto a produção recebeu aplausos críticos e conquistou cinco Oscars, a opinião de quem vivencia o trabalho na área revela uma visão bastante diferente. Emma*, uma acompanhante de 25 anos que atua em clubes de Manhattan, expressou sua reação ao filme, marcadamente de frustração e indignação.

A precisão das cenas iniciais e a insatisfação com os estereótipos

Emma destacou que muitas das cenas iniciais do filme, que retratam o cotidiano do clube, pareceram autênticas. “Quando assisti, fiquei entediada — o que provavelmente significa que foi fiel à minha rotina de trabalho”, ela afirmou. No entanto, a partir de um determinado momento, ela começou a notar aspectos que não condiziam com a realidade que vive no dia a dia.

Por exemplo, a cena em que Ani sugere ter relações sexuais além do pagamento, como se fosse uma questão de escolha na hora, foi considerada equivocada por Emma. “Nós nunca fazemos algo assim, porque já pagaram”, ela explicou, reforçando que o comportamento apresentado no filme não condiz com o que ela e suas colegas vivenciam.

Crítica à romantização e aos estereótipos de dependência emocional

Além disso, Emma se incomodou com a cena em que Ani comemora seu noivado, sendo elogiada por colegas. Para ela, essa situação não reflete a autonomia e independência das profissionais de sexo: “Nenhuma delas quer depender de alguém, e se dependem, é por decisão consciente.” Ela acrescenta que admira a inteligência e força das colegas do clima de trabalho, que evitam situações de vulnerabilidade financeira ou emocional.

A representação de Ani, uma personagem que, segundo o filme, estaria tão apaixonada e entregue ao relacionamento, foi vista por Emma como uma caricatura. “Isso parece um sonho de homem, uma fantasia sobre como as coisas deveriam acontecer na vida de uma mulher na nossa posição”, analisa.

Rejeição dos estereótipos e a visão sobre o amor e a prostituição

Para Emma, a ideia de que uma mulher de clube de strip ativada sexualmente automaticamente se apaixona pelo cliente é irreal. “Ela acha que o cliente quis realmente ficar com ela, e isso me deixa triste. Não confio em homens, principalmente na nossa rotina, porque sabemos que podemos ser substituídas a qualquer momento.”

Ela também criticou a representação de Ani como alguém que, após a união, mantém uma postura excessivamente sexualizada. “Isso é uma fantasia masculina, de alguém que acha que uma relação com uma trabalhadora sexual deve ser carregada de erotismo o tempo todo. Na vida real, esse personagem precisaria abandonar essa persona para que o relacionamento fosse sustentável”, afirma.

Descontentamento com o enfoque no sofrimento e na sentimentalização

Para Emma, o filme reforça uma narrativa de que a experiência da prostituição deve estar ligada ao sofrimento e à tristeza, uma perspectiva que ela discorda. “Sim, eu já senti dores, medo e insegurança, mas nem tudo vem da sexualidade. Muitas vezes, o problema é financeiro ou a falta de respeito na sociedade”. Ela critica a romantização do sofrimento, apontando que o filme privilegia uma visão sensacionalista, que alimenta estereótipos.

A realidade das profissionais e o impacto da narrativa cinematográfica

Emma acredita que a ideia de que um relacionamento é possível apenas por boa vontade ou por uma fala suave é uma ilusão. “Nunca confiei que alguém, por mais gentil que pareça, estivesse realmente interessado além do dinheiro”. Ela também lamenta a maneira como o filme termina, com uma cena dramática na rua, que reforça a ideia de uma mulher triste e emocionalmente destruída — algo que ela diz ser uma narrativa construída para fazer o público sentir pena.

“As pessoas lucram com essa imagem de um sofrimento que é, muitas vezes, uma invenção. Isso alimenta um senso de falsa autenticidade e perpetua estereótipos que dificultam a compreensão real da nossa vida”, conclui Emma, ressaltando a importância de escutar quem vivencia essa realidade na prática.

*Nome fictício, para preservar a privacidade.

Uma trabalhadora sexual de Nova York comenta a representação do filme “Anora”, criticando estereótipos e valorizando a autonomia das profissionais.

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