Brasil, 1 de setembro de 2025
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Reação de uma trabalhadora sexual ao filme “Anora”: uma visão que precisa ser ouvida

Ao longo de sua carreira, Emma*, uma acompanhante e dançarina de 25 anos que trabalha há dois anos em um clube de strip em Manhattan, viu o filme “Anora” e não conseguiu deixar de se sentir incomodada. Embora reconheça aspectos precisos na rotina do entretenimento adulto, ela comenta que a produção, dirigida por Sean Baker e estrelada por Mikey Madison, apresenta uma visão distorcida e idealizada do universo em que trabalha, o que a deixou especialmente irritada.

Queixas e impressões sobre a representação na tela

Para Emma, quem vivencia a rotina de clubes de strip, muitas cenas parecem refletir sua experiência real. “Quando assisti às primeiras cenas, pensei que talvez fosse fiel à minha rotina, porque parecia que eu estava no trabalho”, ela explica. Entretanto, ela aponta que certas situações e comportamentos foram exagerados ou distorcidos, principalmente a forma como as personagens são retratadas ao longo do filme.

Ela critica especialmente o momento em que a personagem Ani, interpretada por Madison, é presenteada com um anel. “Me incomodou demais essa ideia de que ela se apaixona por um homem do clube e pensa que pode depender dele. No mundo real, nenhuma trabalhadora que se preze vai depender emocionalmente de um cliente, ainda mais de alguém que não é financeiramente confiável”, afirma.

Dinâmica de dependência financeira na tarefa diária

Emma reforça que a independência financeira é uma prioridade para ela e suas colegas. “Nós fazemos escolhas para garantir uma base sólida, sem precisar depender de ninguém — isso é o que mantém a nossa autonomia”, ela explica, destacando que as “meninas” no clube vivem com uma mentalidade de autoproteção e independência.

Ela também ressalta que o comportamento das “rivalidades” feminino no clube, muitas vezes descrito nos filmes como comportamento de “meninas malvadas”, não reflete a realidade com a qual ela convive. “Na minha experiência, esse tipo de atitude não sobreviveria no ambiente de trabalho, porque quem trabalha sério sabe que isso só prejudica”, ela comenta. Para ela, o apoio das colegas e a inteligência do grupo são fatores essenciais para a sua permanência na indústria.

Percepção da personagem Ani e a idealização do relacionamento

Ao analisar a personagem Ani, Emma considera que a personagem é retratada de forma artificial ao insistir na sexualidade excessiva após o casamento com Vanya. “Isso parece um sonho de homem sobre como uma mulher de clube deve agir — sempre disposta, sempre sexualizada”, ela afirma. Para Emma, essa postura diminui a complexidade real do relacionamento com os clientes, que envolve diferentes máscaras e emoções que precisam ser deixadas de lado com o tempo.

“Se ela continuasse na profissão, não faria sentido ela se envolver emocionalmente ao ponto de perder sua autonomia. E, se o filme mostra ela se apaixonando, é uma leitura que desconsidera a realidade do que aconteceria na vida de alguém nessa situação”, ela acrescenta.

Desconforto com a idealização romântica e as emoções falsas

Outro ponto que incomoda Emma é a cena final, no carro, onde a personagem parece emocionalmente destruída. “Muita gente acha que mostrar dor e sofrimento é uma boa representação da sexuação. Mas, na minha experiência, a dor geralmente vem de outros fatores, como a insegurança financeira, a falta de respeito, ou a desvalorização”, ela explica.

Ela também critica a forma como o filme reforça a ideia de que os homens “bons” e gentis são raros ou impossíveis de encontrar, quando, na prática, muitas trabalhadoras percebem que esse tipo de cliente é uma exceção ou uma fonte de falsas expectativas. “Quando vejo esse tipo de narrativa, tenho consciência de que ela alimenta o desejo de idolatrar certos homens e distorce a imagem do que é uma relação verdadeira neste universo”, ela conclui.

O impacto na percepção social e o que falta na narrativa

Para Emma, o filme reforça uma ideia perigosamente romântica de que uma trabalhadora sexual pode encontrar no relacionamento com um cliente uma espécie de “redenção”. “Na minha visão, a história deveria acabar com ela jogando o telefone fora, deixando claro que a independência e o autocuidado importam mais”, ela sugere. Segundo ela, muitas representações populares se baseiam na fantasia masculina de uma mulher emocionalmente disponível e sempre sexualizada, o que negligencia a complexidade real da experiência profissional feminina no sexo pago.

Ela reforça que um retrato mais honesto ajudaria a combater a glamorização e a romantização de um trabalho que, na sua opinião, é muito mais sobre resistência, autonomia e escolhas conscientes do que sobre sonhos românticos ou tragédias sentimentais. “Enquanto o filme continuar a construir essa narrativa de que a dor é a essência da nossa vida, a gente vai continuar sendo invisibilizadas e mal entendidas”, conclui Emma.

*Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada.

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