A atual situação do mercado de cacau na Bahia é um reflexo da volatilidade que caracteriza a agricultura em nível global. Após uma fase de otimismo, os pequenos agricultores da região sul do estado se deparam agora com desafios que comprometem suas expectativas de modernização e aumento de produtividade. A queda nos preços, impulsionada por fatores externos, está mudando a vida de muitos produtores, como Josenilda Silva, que viu suas esperanças se dissiparem.
A trajetória do preço do cacau
No final de 2024, o preço do cacau alcançou um recorde histórico devido à escassez do produto, resultado de uma safra ruim em grandes produtores, especialmente na África. Esta alta inicial gerou um clima de otimismo entre os agricultores baianos, uma região que luta para se reerguer após a devastação causada pela praga da vassoura-de-bruxa nos anos 80 e 90. Contudo, a festa não durou muito. Com a recuperação das safras na Costa do Marfim e Gana, os preços começaram a cair de forma acentuada.
Em agosto, os agricultores relataram uma redução de até R$ 85 por arroba em comparação com os valores pagos no ano anterior. “As indústrias fazem o que querem na precificação interna”, critica Vanuza Barroso, presidente da Associação Nacional dos Produtores de Cacau (ANPC). Esta instabilidade não afeta apenas os preços, mas também a confiança dos produtores em investir no futuro.
Os efeitos diretos nas plantações
Para Josenilda, que esperava usar os lucros obtidos com a venda de seu cacau para modernizar sua lavoura, a realidade agora é bem diferente. Ela planejava investir em equipamentos, fertilizantes e fontes de energia renovável, mas todos os planos foram adiados. “Os pequenos agricultores são os que mais trabalham, mas o retorno nem sempre é leal com a gente”, desabafa.
A incerteza financeira leva muitos agricultores a questionar se devem investir no cultivo. José Luis Fagundes, outro produtor, revela que estava pronto para comprar um trator e expandir suas plantações, mas a instabilidade dos preços o fez refrear esses planos. “Vou me endividar agora para fazer uma renovação de uma área? Será que os preços não vão cair novamente?”, pergunta, refletindo a preocupação de muitos.
O impacto da indústria cacaueira
As gigantes da indústria cacaueira, como Cargill e Barry Callebaut, são criticadas por sua influência nos preços pagos aos agricultores. De acordo com Anna Paula Losi, presidente da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), o mercado apresenta uma dinâmica onde a demanda e a oferta se equilibram, mas isso não necessariamente se traduz em benefícios diretos para os pequenos produtores.
Além disso, o impacto das tarifas comerciais dos Estados Unidos sobre o cacau brasileiro representa uma nova camada de problema. A indústria prevê perdas de R$ 180 milhões até o final de 2025 devido a tarifas de 50%, criando um cenário ainda mais desafiador para os produtores. A falta de alternativas comerciais para as exportações complicou ainda mais a situação, resultando em uma necessidade de importação de cacau para atender à demanda interna.
Desafios e esperanças para o futuro
A atual crises enfrentada, marcada pela falta de cacau suficiente para moer e pela baixa demanda, coloca em cheque o futuro da produção cacaueira no Brasil. Para muitos agricultores, o desafio reside na capacidade de organização e resistência na negociação com os compradores. “É uma cadeia com poucos compradores e muitos vendedores”, afirma a pesquisadora Mônica Pires, apontando para a fragilidade estrutural da produção.
Adilson Reis, analista do setor cacaueiro, comenta que a qualidade do chocolate produzido no Brasil também tem sido afetada pela crise, com a indústria buscando maneiras de reduzir custos, sacrificando a qualidade em algumas ocasiões. “Com preços altos, a indústria diminui a quantidade de cacau nas fórmulas, resultando em chocolates de menor qualidade”, explica Reis.
Conclusão
A realidade dos agricultores de cacau na Bahia é reflexo de um sistema global complexo que, muitas vezes, deixa os pequenos produtores à mercê de grandes corporações e políticas comerciais internacionais. Enquanto os agricultores esperam por mudanças que possam trazer estabilidade e justiça nos preços, a necessidade de reestruturação e apoio contínuo se torna cada vez mais urgente. A esperança de dias melhores permanece, mas sem ações concretas, a realidade pode continuar a ser desafiadora para esses trabalhadores essenciais.
O futuro da cacauicultura brasileira depende não apenas de condições climáticas e de mercado, mas também de um comprometimento maior com a justiça econômica e a sustentabilidade na produção e comercialização do cacau.