A transmissão da guerra tarifária entre EUA e China ganhou novo capítulo nesta semana, com os investimentos chineses em minas de níquel no Brasil colocando o país no centro da disputa. A Associação das Indústrias Siderúrgicas (AISI), que representa as siderúrgicas americanas, pediu ao governo de Donald Trump que ele “levante preocupações” junto a Brasília acerca da compra de minas brasileiras por uma mineradora chinesa, devido ao impacto estratégico para o mercado de minerais considerados essenciais para a indústria de alta tecnologia.
Minerais estratégicos e o xadrez da guerra comercial Estados Unidos x China
Os minerais estratégicos — como o níquel, lítio, cobre, nióbio e terras-raras — estão no centro da disputa por hegemonia mundial na cadeia de produção de tecnologias de ponta e na transição para uma economia de baixo carbono. Segundo o consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério de Desenvolvimento, já há uma corrida acirrada entre China e EUA por esses recursos, com os chineses atualmente na dianteira, especialmente no beneficiamento de terras-raras e outros insumos essenciais.
Retaliações e vulnerabilidades na guerra dos minerais
Desde o início da guerra tarifária de Trump, a China respondeu com tarifas e, sobretudo, com a proibição de exportações de terras-raras, o que impactou diretamente as estratégias dos EUA. Barral destaca que a decisão chinesa de suspender exportações foi um fator decisivo para o recuo temporário de Trump, que suspendeu parte do tarifamento contra a China, ao mesmo tempo em que intensificou negociações diplomáticas.
O papel do Brasil na geopolítica dos minerais
O Brasil possui reservas relevantes de minerais estratégicos e vem se aproximando cada vez mais da China. No primeiro semestre, o país foi o segundo maior destino de investimentos chineses, incluindo negócios ligados ao setor de mineração — em especial, envolvendo minerais essenciais para a tecnologia. Desde o final de 2024, houveram pelo menos quatro investimentos nesse segmento, três deles relacionados a minerais estratégicos.
Segundo Barral, o tema também passou a fazer parte das discussões nas negociações comerciais entre os EUA e o Brasil. Em julho, o governo americano anunciou uma sobretaxa adicional às exportações brasileiras e manifestou interesse pelo acesso às matérias-primas, como revelou O GLOBO.
Novo foco na disputa por níquel e terras-raras
O principal caso envolvendo o Brasil neste cenário é a recente aquisição, pela australiana MMG, controlada pela estatal chinesa China Minmetals, de minas de níquel da anglo-sul-africana Anglo American. A operação, avaliada em até US$ 500 milhões, inclui minas em Goiás e projetos em Mato Grosso e Pará. A Associação das Indústrias de Siderurgia (AISI) entrou com manifestação na investigação aberta pelo Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR), alegando riscos de consolidar a posição dominante da China no mercado de níquel brasileiro, o que poderia afetar a cadeia global de suprimentos.
A preocupação da entidade é que, se a chinesa MMG obtiver controle maior sobre as reservas nacionais, a influência chinesa na produção e no beneficiamento dos minerais críticos aumentaria, agravando vulnerabilidades na cadeia de suprimentos mundiais. Segundo Barral, a transação ainda está em análise pelos órgãos reguladores da União Europeia e do Brasil, incluindo o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Resistência brasileira e dificuldades de intervenção
Apesar da tensão, a legislação brasileira não prevê intervenção do governo em negociações privadas, diferentemente dos EUA, onde Trump tentou usar a Lei de Comércio de 1974 para barrar negócios relacionados a minerais estratégicos. A análise de Barral indica que, sem essa ferramenta, o governo brasileiro tem poucas opções para bloquear ou interferir na aquisição das minas pela chinesa.
Por outro lado, a Anglo American afirmou que a venda das minas à MMG foi realizada de forma responsável e que o negócio representa uma conquista para empregados, comunidades locais e acionistas. Ainda assim, o caso reforça as vulnerabilidades brasileiras na cadeia de minerais essenciais para a economia de alta tecnologia, tema que ganha destaque nas discussões geopolíticas globais.
Perspectivas e desafios futuros
O cenário indica que as tensões envolvendo o Brasil, China e Estados Unidos devem persistir, especialmente enquanto as disputas por minerais estratégicos estiverem no centro do combate por domínio tecnológico e influência global. A depender do desfecho da aquisição da Anglo pela MMG e das respostas do governo brasileiro, o país pode se tornar um ator mais relevante na guerra geopolítica por esses recursos.
A continuidade das negociações e as ações de fiscalização serão decisivas para o Brasil fortalecer sua posição nesse cenário complexo, onde a integração de políticas econômicas e de segurança torna-se essencial para garantir autonomia e equilíbrio na cadeia global de minerais