O falecimento de Jacques Martial, uma importante figura cultural da ilha de Guadalupe, em agosto de 2025, marca a perda de um dos defensores mais apaixonados da memória e história da escravidão. Como presidente do Memorial ACTe, inaugurado em 2015, Martial dedicou sua vida a promover a consciência sobre os horrores do tráfico negreiro transatlântico e a importância de um reconhecimento coletivo dessa tragédia humana.
Um legado vivo: O Memorial ACTe
O Memorial ACTe, situado em Pointe-à-Pitre, é considerado o maior museu do mundo direcionado à História da Escravidura. A ideia para sua criação surgiu nos anos 90, impulsionada pelo Comité Internacional dos Povos Negros, mas só se concretizou com a inauguração em 2015, reunindo líderes de vários países, incluindo França e nações africanas como Benin e Senegal. Jacques Martial, artista e intelectual respeitado, foi o primeiro presidente desse espaço, proporcionando um toque pessoal e significativo ao projeto.
Na sua inauguração, o Memorial foi amplamente reconhecido não apenas por sua arquitetura contemporânea, mas também por se tornar um ponto de referência para a educação sobre a escravidão. O museu possui uma vasta coleção, incluindo uma sala de exposições permanente de 1700 metros quadrados, dedicada a contar a história da escravidão e suas reverberações no mundo moderno.
A importância da memória coletiva
Em uma entrevista concedida em maio de 2020, Jacques Martial destacou a necessidade de um espaço como o Memorial ACTe, ressaltando que “a maior parte das pessoas não estabelece uma relação consciente entre o fenômeno da escravidão e a modernização do mundo.” Para ele, compreender essa história é essencial para vivermos juntos no futuro. O Memorial serve, portanto, como um espaço de reflexão, educação e dialogo sobre a história e suas consequências.
Durante seus quatro primeiros anos como presidente, Martial foi fundamental para estabelecer o Memorial como um ponto de orgulho para a população de Guadalupe. Com uma média de 150 a 170 mil visitantes anuais, o museu se tornou uma verdadeira ponte entre passado e presente, permitindo que a sociedade atual se conectasse com essas narrativas históricas. A variedade de exposições temporárias tem colaborado para enriquecer essa experiência, trazendo à tona temas relevantes que reverberam até os dias de hoje.
O papel dos museus na educação histórica
Jacques Martial também defendeu a ideia de que o Dia Mundial dos Museus, celebrado em 18 de maio, é crucial para despertar a consciência sobre a importância das instituições culturais. Ele acredita que esses espaços são essenciais para preservar a história e para promover o conhecimento coletivo, tornando-se acessíveis a todos, independentemente do nível cultural. “Os museus são lugares que nos pertencem”, afirmou, enfatizando que devem ser visitados por todos, como forma de celebrar e entender nossas narrativas comuns.
Contribuições artísticas e culturais de Jacques Martial
Além de sua liderança no Memorial ACTe, Jacques Martial também deixou um legado inestimável como ator e diretor. Nascido em Guadalupe, ele se destacou no teatro e no cinema, sendo uma voz ativa na luta pela visibilidade e valorização da cultura afrodescendente na França. Completou sua formação em artes cênicas e fundou a companhia “Black Comedy” para promover talentos negros na indústria cultural. Seu trabalho abarcou uma vasta gama de disciplinas, incluindo teatro, cinema e dublagem, onde emprestou sua voz a grandes obras, incluindo personagens icônicos na série Star Wars.
De sua trajetória destaca-se a criação do projeto “Novo Nascimento Coletivo”, que visou unir a arte, a história e a sociedade para um diálogo sobre os legados da escravidão. A partir desse projeto, Martial implementou, no Memorial, exposições que exploravam não apenas a história da escravidão, mas também como essa história se entrelaça com a cultura contemporânea e a identidade dos povos afrodescendentes.
Uma mente visionária e um defensor da diversidade cultural
O envolvimento de Martial em iniciativas voltadas para a diversidade cultural e a luta contra o racismo foi uma constante em sua vida. Em 2020, ele foi eleito vereador de Paris, onde continuou sua luta pelos direitos das comunidades ultramarinas. Ao longo de sua vida, Jacques Martial não apenas celebrou a riqueza da cultura afrodescendente, mas também desafiou a sociedade a refletir sobre sua história e seu impacto no presente e no futuro.
O falecimento de Jacques Martial representa uma grande perda não apenas para Guadalupe, mas para toda a comunidade cultural global. Seu legado, no entanto, continua vivo através do Memorial ACTe e do trabalho que ele realizou ao longo de sua vida. Através de sua dedicação, ele não apenas preservou a memória da escravidão, mas também recebeu a responsabilidade de transmitir essa história às futuras gerações, garantindo que não se esqueça dos desafios enfrentados no passado e a importância de uma sociedade comprometida com a justiça e a igualdade.