Brasil, 21 de agosto de 2025
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Como um cientista usou ‘um bilhão de borboletas’ para prever o clima

A história inspiradora de Jagadish Shukla, que revolucionou a previsão do tempo e combateu a desinformação sobre mudanças climáticas.

Standing in his home office in Bethesda, Maryland, meteorologist Jagadish Shukla gestured at the high-resolution satellite map of India hung on the wall. It shows every groove of his home country’s geological landscape in vivid detail.

Ele passou a mão pelo azul profundo do Mar Arábico e os flocos de neve brilhantes no topo do Himalaia, iniciando uma mini-aula apaixonada sobre temperatura oceânica. “O truque é como encontrar componentes previsíveis em um sistema caótico”, disse Shukla, que aos 81 anos dedica seus dias a encontrar padrões, construir modelos e definir limites para entender o clima da Terra.

A trajetória de Shukla começou na sua vila natal no norte da Índia, onde ele passava os verões brincando ao ar livre e rezando por chuva. “A estação mais esperada do ano era a monção”, escreve em suas memórias, “A Bilhões de Borboletas: Uma Vida em Clima e Teoria do Caos.” As monções seguem o período mais quente da Índia e duram meses, trazendo alívio do sol e fertilidade para a terra.

A incerteza das monções e o desejo de prever

No entanto, a monção também pode ser uma fonte de sofrimento. Alguns anos, as chuvas trazem inundações intensas, enquanto em outros há escassez de água para uma boa colheita — ou, pior ainda, seca e fome. Essa imprevisibilidade plantou uma ideia na mente de Shukla: e se pudéssemos saber? Se a vila tivesse uma previsão da monção, os agricultores poderiam se preparar para anos mais úmidos ou se preparar para a seca.

Em 1970, um Shukla nervoso, mas otimista, chegou a Boston para fazer seu doutorado no MIT. Seu objetivo: encontrar uma forma de prever o impacto sazonal da monção indiana. Na época, os meteorologistas dependiam fortemente das “condições iniciais” — como fatores voláteis como temperatura, pressão, vento ou jato de ar poderiam afetar o clima no dia seguinte. Assim, acreditava-se que prever o clima além de 10 dias era uma busca sem esperança.

O efeito borboleta e a previsão sazonal

Logo após chegar ao MIT, Shukla conheceu o “efeito borboleta”, cunhado pelo meteorologista Edward Lorenz. Lorenz observou que até as menores mudanças nas condições iniciais — como o bater das asas de uma borboleta — poderiam tornar um sistema caótico ao longo do tempo. “A ideia é que, se você muda apenas um ponto decimal na sua condição inicial, você obterá uma previsão diferente após 10 dias”, explicou Shukla.

O trabalho de Lorenz fez com que muitos cientistas fossem céticos quanto à previsibilidade sazonal. Mas Shukla sentia que — pelo menos para a monção — havia conhecimento a ser extraído do caos. “Ele sempre via o copo meio cheio e acreditava que deveríamos continuar procurando, enquanto a comunidade científica dizia que você tem sorte de conseguir algo daquele copo”, disse Timothy DelSole, professor de ciência atmosférica e climática na Universidade George Mason, que trabalhou com Shukla.

Então veio o avanço. Enquanto o clima diário é impulsionado por condições iniciais voláteis, as médias sazonais são moldadas por “condições de limite”, como temperatura do oceano, umidade do solo, cobertura de neve e vegetação. “Ele foi quem realmente se importou, que pegou essas ideias, as desenvolveu e convenceu outras pessoas”, disse David Straus, professor de dinâmica climática, sobre a contribuição de Shukla. “Shukla teve um papel muito significativo em dizer: ‘Olha, todas essas pequenas evidências no passado estão lá, podemos usá-las juntas’.”

Experimentos que mudaram a ciência climática

No final, a prova definitiva da previsibilidade veio do experimento do “bilhão de borboletas” de Shukla. “Essa questão não parava de me incomodar”, disse. “As pessoas já estavam começando a acreditar na previsibilidade sazonal, mas eu ainda não havia escrito um artigo usando exatamente a linguagem de Lorenz.”

A equipe de Shukla realizou simulações nas quais mudaram dramaticamente as condições iniciais — o metafórico bater das asas de bilhões de borboletas de Lorenz — mantendo as condições de limite fixas. Apesar da instabilidade dia a dia, os resultados sazonais permaneceram consistentes. Foi a origem da frase “previsibilidade em meio ao caos”, que se tornou o título do artigo seminal de Shukla, publicado na revista Science em 1998.

“O resultado foi contundente”, afirmou James Kinter, atual diretor do COLA. “Os outros artigos que vieram antes eram apenas pequenos tijolos na parede, todos eram apenas peças. Mas o artigo de ‘98 conseguiu sintetizar tudo isso.”

A transição para a mudança climática

Enquanto Shukla aprofundava seu trabalho em previsão dinâmica sazonal, um novo campo científico estava emergindo: a mudança climática. Durante as décadas de 1970 e 1980, seus colegas perguntaram repetidamente se ele não iria se concentrar no aquecimento global. Shukla sempre recusou. Ele rejeitava o rótulo de cético, mas admitia que “não estava convencido ainda” sobre o aquecimento global.

Finalmente, em 2004, aceitou um convite para fazer parte do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, para trabalhar em sua quarta avaliação abrangente sobre o clima. Como autor principal coordenador do relatório, David Randall, destacou que Shukla foi escolhido não apenas por seu histórico científico, mas por sua habilidade em comunicação. “Shukla, eu acho, se comunica de forma eficaz tanto oralmente quanto por escrito”, disse Randall.

Esse contato com centenas de especialistas e a leitura de trabalhos abrangentes sobre mudanças climáticas mudaram seu ponto de vista. Shukla passou da ambivalência ao alarme. Ele se convenceu de que o aquecimento global era real, rápido e induzido pelo homem. No explosivo relatório do IPCC publicado em 2007, Shukla e seus colegas declararam que o “aquecimento do sistema climático é inequívoco” e identificaram “influências humanas discerníveis”.

A luta contra a desinformação

O que se seguiu foi uma forte reação da indústria dos combustíveis fósseis. Em 2015, frustrado pelo poder dessas corporações, Shukla escreveu uma carta ao presidente Barack Obama, coassinada por dezenas de seus colegas, pedindo uma investigação contra empresas de energia por desinformação sobre mudanças climáticas.

“Muitas pessoas dizem: ‘Oh, você é um cientista. Você não deveria dizer nada sobre isso.’ Eu não concordo. Somos cientistas, mas também somos cidadãos desta sociedade”, afirmou Shukla.

A resposta foi a acusação por parte de republicanos da Câmara de que a instituição sem fins lucrativos de Shukla estava envolvida em atividade política partidária. A investigação acabou sendo infrutífera, mas o impacto no psicológico de Shukla e de sua equipe foi devastador.

“Sabíamos que era Daviz e Golias. Sabíamos que estava enfrentando uma máquina muito poderosa e bem financiada,” disse Kinter. “Mas foi muito além do que qualquer um de nós esperava.”

Essa fase se tornou uma das mais “cruéis e caóticas” da vida de Shukla. Ele fez o possível para proteger seus colegas, mas a pressão era constante. “Eu já tinha ouvido sobre coisas assim, mas quando experimentei na pele, soube quão vicioso poderia ser”, disse Shukla. “Antes disso, nós costumávamos apenas rir e ignorar tudo isso. Agora, como podemos rir?”

Após a entrega de milhares de documentos e recibos, a investigação não encontrou nada. Shukla apertou uma pequena bola de pelúcia em sua mesa, uma esfera azul com manchas verdes, as formas de continentes. Ele pediu à equipe que respeitassem a integridade da ciência climática diante do caos que impera fora dos laboratórios, enfatizando: “É um pequeno preço a pagar para defender a integridade da ciência climática. Se não defendermos, quem o fará?”

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