A aplicação de uma sobretaxa de 50% às exportações brasileiras pelos Estados Unidos, oficializada em agosto, reafirma os sinais de alerta nas contas externas do país, embora o câmbio continue resistente. O impacto da tarifa, que abrange cerca de 55% da pauta exportadora, ainda não provocou uma depreciação do real, que mantém resultados positivos frente ao dólar em 2025.
Contexto das contas externas e efeitos da tarifa
Desde maio, o fluxo acumulado de Investimento Direto no País (IDP) em 12 meses não consegue mais cobrir totalmente o déficit em transações correntes — saldo das trocas do Brasil com o resto do mundo. Em junho, o IDP atingiu US$ 67 bilhões, enquanto o déficit foi de US$ 73,1 bilhões, a pior diferença desde novembro de 2015, segundo dados recentes.
A relação entre o saldo em transações correntes e o IDP é um dos principais indicadores da “saúde” das contas externas. O IDP, considerado fluxo de capital mais “saudável” por estar ligado a investimentos produtivos, perdeu força em relação ao déficit em conta corrente, indicando maior vulnerabilidade do país às oscilações internacionais.
Projeções e riscos futuros
Especialistas alertam que a deterioração das contas externas pode se aprofundar com o impacto do tarifaço dos Estados Unidos. Andrea Damico, sócia-fundadora da Buysidebrazil, afirma que a fonte de recursos de alta qualidade está em declínio e que o risco de maior fragilidade financeira aumenta, apesar do Brasil possuir um colchão de reservas internacionais e pouca dívida em moeda estrangeira, o que mitiga parcialmente os efeitos no curto prazo.
A projeção do déficit em conta corrente foi revisada de US$ 68 bilhões para US$ 76,3 bilhões, considerando o impacto potencial das tarifas. Para o IDP, a estimativa é de US$ 66,8 bilhões, com a possibilidade de aumento desse valor diante das tensões comerciais.
Perspectivas do mercado e impacto cambial
Apesar do cenário mais adverso, o real se manteve valorizado, com a moeda registrando um desempenho entre as cinco melhores globais ao longo de 2025. A postura firme do Banco Central na condução dos juros, com a taxa Selic em 15%, tem atraído aplicações internacionais e contribuído para a valorização da moeda brasileira.
Explicações do Banco Pine indicam que a desaceleração da inflação, refletida na queda na remuneração da taxa básica de juros, também favorece o real. “A efetividade das medidas do BC contribui para um câmbio mais forte, mesmo diante do tarifaço de Trump”, afirma Cristiano Oliveira, economista-chefe do banco.
Impactos no comércio e potencial de ajustes
Segundo estimativas do Bradesco, o impacto do tarifaço deve reduzir as exportações brasileiras em torno de R$ 4 bilhões, devido ao redirecionamento de mercadorias para outros mercados. Contudo, as importações continuam fortes, e há expectativa de aumento na remessa de lucros ao exterior.
O banco projeta que o déficit em transações correntes pode chegar a US$ 69 bilhões em 2025, enquanto o fluxo de investimentos estrangeiros deve fechar o ano em US$ 65 bilhões. Apesar das dificuldades, a expectativa é de que a forte diferença de juros entre Brasil e EUA mantenha o dólar na faixa de R$ 5,50, com possibilidade de real valorizado caso as tensões comerciais diminuam.
Resiliência financeira e cenário internacional
Apesar da deterioração das contas externas, a robustez das reservas internacionais e a baixa dívida em moeda estrangeira amortecem a pressão no curto prazo. Ainda assim, o aumento do risco de dependência de fluxos voláteis preocupa analistas, que alertam para a vulnerabilidade do país diante de possíveis choques internacionais.
Luiza Pinese, da XP Investimentos, destaca que, mesmo com o tarifaço, o Brasil apresenta uma saída relativamente forte no câmbio devido ao diferencial de juros e à postura firme do Banco Central contra a inflação. “Se os riscos ligados às tarifas diminuírem, o real pode se valorizar ainda mais, fortalecendo sua posição”, conclui.
Mais detalhes podem ser consultados na matéria do GLOBO.