Às vésperas de ser julgado pela tentativa de golpe, o ex-presidente Jair Bolsonaro se posiciona como uma vítima de um “massacre”. Em suas alegações finais ao Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro critica a atuação da Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República e a cobertura da imprensa, surpreendendo ao poupar o ministro Alexandre de Moraes, com quem frequentemente se referia de forma pejorativa.
Controvérsias nas alegações finais
Os argumentos apresentados pelos advogados do ex-presidente optam pela estratégia de desqualificação dos investigadores e ataque à credibilidade do acusador. Mauro Cid, ex-assessor de Bolsonaro e acusado de ser delator, é tratado como alguém que carece de credibilidade, enquanto a defesa busca enfatizar que seu cliente nunca atentou contra a democracia. Para eles, Bolsonaro se destaca como um estadista que reconheceu o resultado das urnas e facilitou a transição de poder, evitando o “caos” no país.
A contradição do discurso
No entanto, essa narrativa contrasta de forma significativa com os fatos. Após ter promovido uma campanha para desacreditar a Justiça Eleitoral, Bolsonaro não apenas se recusou a aceitar a derrota nas eleições, como também fomentou a permanência de acampamentos golpistas em frente aos quartéis do Exército, onde seguidores protestavam contra o resultado das urnas. Essa postura evidência a contradição entre as alegações de sua defesa e as ações que ocorreram durante e após a eleição.
Isolamento e reuniões polêmicas
Enquanto figuras radicais se mobilizavam nas ruas, o ex-presidente mantinha-se isolado no Palácio da Alvorada, onde se reunia com militares e assessores para discutir medidas de exceção. Dentre esses encontros, destaca-se o do general Mário Fernandes, que apresentou um plano que previa a eliminação do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Moraes. Esses registros levantam mais questionamentos na defesa de Bolsonaro, ao mostrar que, ao contrário do que alegam, suas atividades não eram inocentes, mas sim parte de um contexto mais obscuro.
A defesa busca narrativas alternativas
A defesa tenta assimilar a intensa atividade política de Bolsonaro em um “retiro espiritual”, alegando que o ex-presidente estava “doente”, “isolado” e “abatido”. A recusa de Bolsonaro em entregar a faixa presidencial é apresentada como um ato de birra, interpretado como imaturo, ao invés de um reflexo de um possível esquema golpista que culminaria em ataques violentos como os registrados em 8 de Janeiro.
Apelos inesperados e a omissão de aliados
Para reforçar seus argumentos, os advogados chegam a recorrer à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, um documento que Bolsonaro habitualmente desqualificava. Essa estratégia parece contradizer os motivos pelos quais ele sempre deslegitimou os direitos humanos, sendo notável a imagem de Bolsonaro vestindo uma camiseta com a frase “Direitos humanos: esterco da vagabundagem”.
Além disso, as alegações finais da defesa de Bolsonaro, que totalizam 197 páginas, também carregam um silêncio significativo. Um personagem que poderia ter influenciado o clima político de forma relevante é Donald Trump, aliado do ex-presidente brasileiro, mas não há menção a ele em nenhum momento. Esse silêncio levanta questões sobre a verdadeira rede de apoio que Bolsonaro pode ou não ter em sua situação atual.
Com a proximidade do julgamento, a evidência de que a defesa tenta distorcer os fatos e realidades não apenas suscita debates jurídicas, como também traz à tona questões sobre o papel da justiça em um contexto democrático e os limites da impunidade para figuras políticas. Assim, os próximos dias serão decisivos não apenas para o futuro de Bolsonaro, mas para a própria integridade do sistema democrático brasileiro.