A crise econômica na Bolívia, marcada por uma forte inflação, baixa confiança no governo e escassez de dólares, tem impulsionado cada vez mais o uso de criptomoedas no país. Recentemente, sinais de adoção rápida dessa alternativa surgem em diversas regiões, transformando as transações cotidianas e a maneira de pensar as finanças locais.
Crise econômica impulsiona o uso de criptomoedas na Bolívia
Atualmente, na Bolívia, quase tudo parece melhor do que manter a moeda local, o boliviano. O poder de compra despencou, a confiança no governo de esquerda atingiu níveis históricos baixos, a inflação chegou a máximas de três décadas e há uma marcada escassez de dólares no mercado. Essa combinação levou muitos bolivianos a buscar proteção em ativos digitais.
Adesão e exemplos de uso em todo o país
De pequenas cafeterias a grandes empresas, sinais de adoção rápida de criptomoedas estão por toda parte na nação sem litoral de 11 milhões de habitantes na América do Sul. No Aeroporto Internacional de El Alto, por exemplo, vendedores oferecem doces e óculos de sol em USDT, uma stablecoin emitida pela Tether, fixada em paridade 1 para 1 com o dólar.
Universidades de destaque começam a pagar seus professores em Bitcoin, e até uma estatal de petróleo foi autorizada a usar stablecoins para pagamentos ao exterior. Segundo dados, os pagamentos digitais cresceram mais de cinco vezes, atingindo quase US$ 300 milhões nos primeiros seis meses de 2025, após a suspensão de uma proibição de uma década.
Razões por trás da popularidade crescente
O uso de criptomoedas na Bolívia é impulsionado principalmente pela incapacidade do país de acessar moeda forte e pelas dificuldades econômicas. As dívidas do governo, déficits orçamentários consecutivos e questões relacionadas à exportação de gás natural prejudicam a geração de moeda forte.
Além disso, a inflação de 25% — a mais alta em 34 anos — tem devastado o poder de compra, tornando produtos importados excessivamente caros. A desconfiança nas instituições financeiras tradicionais, muitas vezes vistas como desinteressadas ou ineficazes, alimenta a preferência por ativos digitais, considerados uma forma de preservar valor e escapar do sistema financeiro tradicional.
Criptomoedas como resistência e rebeldia
Para comerciantes como Christopher Salas, que vende café na rua em La Paz, fazer negócios em Bitcoin é mais do que uma opção prática — é uma forma de rebeldia. Salas afirma que o uso de satoshis, a menor unidade do Bitcoin, é uma maneira de preservar suas economias e ir contra um sistema considerado burocrático e ineficiente.
Apesar do crescimento, a adoção de criptomoedas na Bolívia possui riscos. Stablecoins, por exemplo, apresentaram instabilidade em suas reservas, e o Bitcoin sofre oscilações de preço. Passageiros e comerciantes enfrentam dificuldades para obter dólares oficiais, que muitas vezes custam o dobro do valor oficial no mercado negro, tornando criptomoedas uma alternativa viável.
O papel das empresas e o potencial do ecossistema local
Empresas globais veem na Bolívia um dos maiores focos de inovação em criptomoedas na América Latina. Especialistas apontam que o forte entusiasmo atraiu provedores de criptoativos ao país, enquanto influenciadores locais promovem as moedas digitais como caminho para a liberdade financeira.
Locais já estão implementando medidas para aceitar criptomoedas, como a Red Enlace, que trabalha para permitir que varejistas aceitem USDT por meio de terminais de pagamento e QR codes. Segundo Hugo Miranda, responsável pela economia digital na Fundação Internet da Bolívia, “a necessidade força a adoção”, mesmo com barreiras geracionais.
Perspectivas e desafios na trajetória cripto
Embora a Bolívia ainda represente uma parte pequena da economia global de criptoativos, sua adoção crescente pode indicar um movimento mais duradouro de resistência e inovação. Em países como Venezuela e Argentina, episódios de inflação impulsionaram o uso de cripto como reserva de valor, mas na Bolívia, há uma busca por uma ferramenta mais ampla de comércio.
Interessados em ativos digitais enfrentam ainda riscos relacionados à instabilidade de stablecoins e às oscilações do Bitcoin. Entretanto, a crise econômica crônica e a crise de confiança no sistema financeiro tradicional parecem indicar que o caminho das criptomoedas na Bolívia tende a se consolidar, independentemente de quem assuma a presidência no próximo domingo.
Fonte: O Globo